ComerComidaCookingClass 1

Clau Barreto
Revista Passaporte
Published in
10 min readMay 10, 2018

Fome de Mundo

Tailândia e Laos

Bom já que vim aqui para aprender um pouco sobre essa maravilha que é a comida asiática, vamos lá!
Vim entender e aprender sobre essa cozinha que conheço a cerca de 15 anos e pela qual me apaixonei. Me apaixonei pela diversidade de sabores, cores, combinações e principalmente pelo equilí­brio. Anos depois fui fazer gastronomia para entender um pouco mais da quí­mica dessa arte que é cozinhar. Na faculdade soube que os sabores básicos são 05 (estão pesquisando já o sexto!): Doce, Azedo, Salgado, Amargo e Umami. E é a presença desses cinco sabores que encontramos principalmente na cozinha oriental e na asiática, em especial na tailandesa, eles se encontram em maior equilíbrio. Então fui entender como que isso se dá.

Na Tailândia foquei em duas cidades: Bangkok (capital) e Chiang Mai (norte do paí­s), sendo que nesta última fiquei por 30 dias e daí fui para Chiang Rai e Pai e também voei para Luang Prapang (Laos). No total foram 45 dias. Sei que esse tempo é apenas um grão de areia para dominar uma arte culinária milenar. Mas sem pretensão de dominar nada, vim aprender, experimentar, fazer repetidas vezes, conhecer ingredientes e observar. Observar comportamentos, como que a comida está presente na vida cotidiana das pessoas, qual a relação com a comida, o que e como se cultiva, como se transforma, enfim, tentar trazer para mim um pouquinho mais dessa cultura que tanto me atrai.

Já na primeira saída em Bangkok o cheiro de comida me invadiu! Na cidade além das visitas aos mercados, feiras, restaurantes, comida de rua; tive três experiências diretas com a cozinha através de cursos e experiências que falarei a seguir.

Primeiro escolhi um curso dentro do Hotel Mandarim ministrado pelo Chef Narain , o segundo curso foi de cozinha vegetariana no restaurante May Kaidee’s e o terceiro foi um encontro com a Sirichan, que além de ministrar cursos da culinária tailandesa, promove encontros para visitarmos sua casa e um tour pelo seu bairro, mais popular e a beira do rio. Foram três experiências bastante distintas. Os cursos em geral seguem dinâmicas parecidas. Normalmente são direcionados a turistas e não necessariamente para cozinheiros. Pode estar incluído uma visita ao mercado ou não para apresentação dos ingredientes e um pouco de história. Segue uma explicação das receitas, demonstração de como fazer e na sequência é por a mão na massa. Ao final de cada prato vamos experimentando e dando nossas opiniões.

No primeiro curso, além de irmos ao mercado local com o próprio barco do hotel, tive a oportunidade de ver o chef Narain em ação, ensinando algumas técnicas básica e com ingredientes mais sofisticados. Ao final todos a mesa, foi servido o nosso “banquete” e também recebemos certificados, aventais e amostra dos principais ingredientes além de alguns mimos locais.

Chef Narain e meu certificado

O segundo curso apesar de ter uma estrutura mais simples foi bastante divertido e com pratos mais práticos, com entradas, pratos principais e sobremesas. O foco é na cozinha vegetariana e assim os ingredientes são adaptados para as receitas, apesar que muitos pratos tailandeses usar bastantes vegetais, folhas, raízes, etc. O curso fica na região da Kalson Road portanto no quintal dos turistas. Acontece no segundo andar do restaurante May Kaidee’s e é ministrado pela doce May, que foi criada numa fazenda de arroz e já comeu de tudo, mas hoje se dedica a comida vegetariana, inclusive cuidando e cultivando os ingredientes servidos nos restaurantes (hoje são 03 em Bangkok). Mas a paixão de May é ensinar o que tem de mais delicioso na cozinha do seu país.

My Kaidee’s Cooking Class Thai Vegetarian

A terceira experiência foi jantar em uma casa tradicional de um bairro no subúrbio de Bangkok. Eu e duas coreanas nos encontramos com a Surichan no grande templo Wat Arum e fizemos um pequeno tour pelo templo com ela nos contando um pouco da história. De lá saímos por uma pequena porta e me vi num bairro simples e bem povoado. Fomos caminhando por dentro de outros templos menores e menos turísticos, compramos refrescos em barraquinhas de rua e seguimos para a beira do rio Chao Phraya, onde estava um pequeno barco nos esperando. De lá partimos para casa de Surichan. No caminho vimos crianças se banhando no rio, grupos de jovens pescando com vara e um belíssimo por do sol.

Depois desse passeio chegamos na linda casa de Surichan, onde morou seus avós, pais e agora ela. Tudo se mantem muito bem preservado e num dos cômodos ela transformou num pequeno “museo” de objetos, roupas, santuários, fotos que contam um pouco da história da sua família. Atualmente a casa se transformou numa hospedagem, com jardim, horta e uma bela cozinha aberta ao público. Tudo sem perder as características originais. Podemos assistir e participar da confecção do nosso jantar com explicações dos ingredientes e modo de fazer. Tudo pronto fomos jantar no jardim a beira do rio e foi uma experiência muito gratificante. Me senti como jantando na casa de amigos queridos.

Essas três experiências me fez ver que apesar de usar muitos ingredientes em comum e até repetir alguns pratos, todos tinham nuances diferentes por conta do contexto (um grande hotel, um restaurante vegano e a casa de uma moradora local). Isso somado as minhas outras experiências (restaurantes, comida de rua, casa dos meus anfitriões, mercados, etc) me fez começar a entender como as coisas funcionavam por essas bandas.

Segui de trem para Chiang Mai ao norte do país. O ambiente começou a ficar um pouco mais tranquilo. Com tempo maior de permanência, pude visitar diversos mercados e conhecer várias possibilidades de comida de rua e também de restaurantes diversos, uns mais turísticos e outros totalmente locais. Aí tive uma maior oportunidade de observar comportamentos diante da comida. Vi que as pessoas comem mesmo na rua! No início da manhã e ao final do dia os locais estão sempre cheios de gente que senta e come comida de verdade, com panelas fumegantes em cima da mesa e uma variedade de elementos que entram nela (vegetais, carnes, noodles, folhas,…). muitas pessoas sozinhas ou em grupos ou famílias inteiras montam seus pratos com suas combinações. Também se compra molhos, caldos e currys prontos que se leva para casa em saquinhos plásticos. Bonito de se ver!

Em Chiang Mai fiz 02 cursos. O primeiro numa fazenda de produtos orgânicos, a Thai Farm Cooking School . O outro foi o A lot of Thai com a Chef Yui Sid Kwan (Yui foi convidada pelo restaurante Obá/SP para uma consultoria sobre cozinha tailandesa)que já teve um restaurantes na cidade mais hoje ministra cursos sobre a culinária tailandesa com a preocupação de que não se perca o modo de fazer original. Nas duas experiências fomos aos mercados locais para saber mais dos ingredientes. Com a Yui fomos a um mercado bem tradicional e pouco turístico, onde ela conhecia os comerciantes e assim podemos saber um pouco melhor da origem dos ingredientes. Assim sabemos que a maioria dos ingredientes são cultivados pelas próprias famílias dos comerciantes e que essa economia de agricultura familiar é muito forte na região. Muito bom ver o orgulho com que apresentam os ingredientes. A comida da capital não difere muito da comida mais ao norte. Os ingredientes são os mesmos, mas penso que o fato de não estar na capital, faz com que a comida seja feita com mais cuidado e portanto mais sabor e mais equilíbrio.

Chiang Rai é uma cidade a 180km ao norte e faz fronteira com Miamar e Laos. Apesar da proximidade, tem suas peculiaridades, pois já foi capital do reino e é mais antiga que Chiang Mai. Por ser fronteira, foi diversas vezes invadida e também muitas etnias vieram se refugiar em suas montanhas, mantendo suas características culturais e costumes. Tudo isso acabou se refletindo na culinária local. Em Chiang Rai fiquei na casa da Ann e juntas fomos ao mercado local comprar ingredientes para um jantar feito á duas mãos. Ann abre a sua casa para acomodar turistas mas também convida a cozinhar com ela. Foi muito bom!

No dia seguinte fui subir as montanhas com um guia para conhecer as plantações café (antigas plantações de ópio, hoje proibidas no país) e ver como faz comida no bambu! Isso mesmo, comida no bambu. Depois de andar pelas montanhas por cerca de 03 horas com direito a paradas em vilarejos para tomar chá e banho de cachoeira, paramos numa clareira na beira de um pequeno riacho e lá me encontrei com mais 04 franceses e mais dois guias e um senhor.

Do nada os guias e o senhor cortaram bambus, limparam e encheram de diversos legumes, folhas e acrescentaram água. Fizeram um fogo no chão, fincaram suportes de bambu feito por eles na hora, e colocaram os bambus para “cozinhar”. A parte fizeram outro suporte comum bambu maior e montaram a “mesa do almoço”, além de também na hora confeccionar os copos e pauzinhos/talheres. Tudo pronto foi servido noodles com vegetais e frango cozido!!! tudo bem temperado e delicioso. Ficamos todos sem palavras. Realmente uma incrível e belíssima experiência!

Passei 06 intensos dias em Luang Prapang/Laos. Lá tive três experiências totalmente diferentes. A primeira foi encontrar um estudante local que me levou para conhecer de perto a comida de rua. Ok, já tinha passado por diversos mercados de rua, mas as vezes é muito díficil saber o que comer ou o que se está oferecendo. Ele foi me explicando tudo e me incentivando a comer coisas que provavelmente eu não pediria. Inclusive comidas que eu pensava ser uma coisa e era outra. Além das comidas de rua, nós fomos a um restaurante local num bairro afastado onde não se vê nenhum turista (os olhares para mim eram de grande estranhamento). Lá tive a oportunidade de comer como os moradores locais e com a orientação do meu jovem amigo puder saber como lidar com toda aquela comida que vinha, que eu tinha que colocar dentro da panela em cima da minha mesa, ver como combinar, tempo de cozimento, molhos, etc. Além de ser tudo delicioso e diferente, é bastante saudável e quase uma brincadeira. Na segunda experiência fui levada a casa de uma senhorinha que tem a tradicional receita de família do vinho de arroz.

Sim, vinho de arroz! Tive a oportunidade de fazer com ela todo o procedimento de debulhar o arroz, lavar várias vezes, colocar para fermentar (fermento caseiro feito da própria cultura do arroz / como a cultura do iogurte). Esse processo de fermentação durará no mínimo 03 dias onde o arroz estará dentro de cumbucas de barro envoltos em folhas de bananeira. Depois da fermentação é só abrir as folhas, completar com água (eles dizem que também pode usar cerveja!) e beber! O sabor tem um Q de saquê mas mais leve e logicamente é alcoólico.

Este vinho se faz para datas especiais como ano novo, casamento, etc. Não preciso falar que me apaixonei pela senhorinha!

Para encerrar fiz mais um curso de cooking class para turistas com ida ao mercado, cozinhando receitas tradicionais e experimentando tudo. Me despedi de Laos com um lindo passeio de barco no por do sol do Rio Mekong (este Rio irá me acompanhar no resto da viagem)!

Para encerrar minha experiência com a Tailândia, fui para Krabi ao sul do país. De lá fui para Ko Lanta, uma pequena ilha mais ao sul. Em Ko Lanta fui fazer um curso de Carving, escultura em frutas e legumes. Essa técnica é aliada a um processo de meditação, pois realmente requer muita concentração e paciência! Meu instrutor vêm de uma família que tem essa especialidade e diz que antes de comer, temos que alimentar os olhos. Que o alimento tem a função de alimentar a visão, o olfato, o paladar e acima de tudo o coração! Lindo né?!

Saio da Tailândia mais apaixonada ainda. Não só pela comida que de fato é deliciosa, mais pelas pessoas que são doces e amáveis. Todas com muito orgulho da sua comida e das suas tradições. Uma religiosidade que se traduz no alimento e que é leve e de verdade.

Obs.: Grande parte das experiências descritas foram propostas pela SKEP EDUCATION, grupo que me acompanha do Brasil com este intuito, potencializar o conhecimento que vim buscar nesta viagem. Valeu galera!!!

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Clau Barreto
Revista Passaporte

Produtora cultural, cozinheira, bailarina, inquieta, curiosa e adoro viajar!