de barco #2

Café das sete
Revista Passaporte
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5 min readJun 10, 2019
Centro de Manaus

Essa é a segunda parte de uma história que começa AQUI!

os manauaras

Assim que entrei no carro Daiana começou a falar. Me disse que não conhecia bem o aeroporto, que não costumava ir pra esses lados, me disse que Manaus era perigoso, me contou suas aventuras de viagem e no detran. Disse que vivia no carro, me identifiquei. Só parou de falar quando desci na Rua Lauro Cavalcante, hostel Manaus. Toquei interfone e fui recepcionada por Alan. Assim que olhei pro lado, novamente um sorriso saiu. O lugar era lindo. Todo pintado com desenhos e quadros de animais, flores e folhagens. Uma selva de arte no meio do centro da cidade. Novamente me veio a sensação: isso já é demais. Caraca!

Hostel Manaus

Arrumei meu relógio. Manaus são duas horas a menos que minas, já que eles não tem horário de verão. Fui pesquisar um lugar para comer e beber uma cervejinha, férias né pai. Achei um tal de bar do pensador, li as avaliações, vi que era a 6 minutos andando do hostel, troquei de roupa, coloquei um chinelo e sai. Minha ideia era voltar rápido, já que no dia seguinte tinha reservado para ver nascer do sol no MUSA. Já tinha lido sobre perigo do centro de Manaus, como qualquer capital brasileira, fiquei com medo de ficar com telefone na mão. Eu era uma forasteira, de fato e não tinha a mínima ideia de onde estava. Decidi guardar o celular no bolso, virei a esquerda e segui, quando cheguei numa esquina depois de caminhar uns 500 metros decidi conferir onde ia virar.

O maps marcava 16 minutos, eu tinha virado pro lado errado. Quem me conhece, sabe que errar o GPS não é inusitado pra mim (risos). Ainda sim, decidi perguntar para um senhor e umas senhoras que conversavam numa barraca de lanches na rua. A princípio eles não conheciam o bar, alguns minutos depois quando eu disse a rua, eles se entreolharam assustados. Perguntaram se eu ia encontrar alguém e se eu estava sozinha, porque a região era muito perigosa. Além de me informaram de mais um detalhe, segundo eles, era um ponto de prostituição. Respondi que só queria comer algo, me indicaram ir no Fernando, um bar logo em frente que estava abrindo. Aceitei a sugestão e me sentei ao lado deles.

José, Erica, Maria e Said. O primeiro a falar é José. Me pergunta de onde sou, meu nome. Ele é de João Pessoa, porém vive a três anos em Manaus, num hotel. Empresário. Humorista. Político. José fala sem parar, como um bom negociante e um bom político, me mostra e conta história de sua franquia de chocolates. Tenta me convencer a abrir uma em Minas, eu digo que já trabalho numa fábrica de família, mas ele ignora e continua contando dos seus planos de negócio. Do cargo político que talvez aceite. Que conhece muitos políticos, que coloca eles no Hotel tal no acolá. Falando tanto, mal dá espaço para as moças.

Erica, 43 anos, viúva, conta que não gosta de homens gordos. Que seu último marido morreu magro. Fala que não quer homens novos também. Que saiu com homem um dia e que uma outra mulher perguntou se ele gostava de mulheres mais velhas porque estava com ela. Pergunto quando anos tinha o acompanhante dela, ela me responde 39 anos. Indago que a diferença é pequena, queria dizer que quando a gente ama alguns detalhes ficam de lado, mas me contento em dizer sobre os 4 anos não serem nada. Ela concorda comigo, ainda completa, “ acho que essa mulher tava afim dele e ficou com ciúme”.

Said, cabelos brancos, descende de turcos, não fala muito, mas pega um tacacá na barraca vizinha e me oferece um gole. Eu bebo. Digo que nunca provei. Ela me explica o que vai: é tucupi, feito da maniva, jambu, que nasce na beira do rio, que deixa a boca dormente. Goma, que também é feita de maniva e camarão seco. Penso que não posso perder a oportunidade, antes de comprar uma cumbuca de tacacá, pergunto se elas me ajudariam a comer, já que eu ainda pretendo ir jantar. Elas consentem e eu compro a tigela por 15 reais. Na tigela vem um palitinho que serve para pescar as folhas do jambu e espetar os camarões. O caldo tu bebesse na tigela como uma grande caneca. Me lembrou pepino, não sei porque, vou provar de novo e prestar mais atenção no gosto. Mas é bem gostoso.

Divido com elas, enquanto conversamos mais. Claro, José, predominando o papo, contando de todas capitais do Brasil que conhece, pede meu número, adiciona no WhatsApp, vê minha foto e diz que eu sou a Helena mais bonita que ele conhece, mesmo afirmando em instantes antes que suas irmã se chama Helena. Quem diz menos ainda é Maria. Com um olhar simpático e acolhedor à senhora de cabelos curtos negros passa mais tempo ouvindo que falando. Decido ir comer. Me despeço das senhoras com a promessa de passar lá no dia seguinte.

Tacacá

José me acompanha, entre falas sobre seu negócio e respondendo clientes no WhatsApp. Pergunto se ele não quer comer, ele me responde que está de regime e só faz um lanche de noite. Fernando é um restaurante numa garagem, que serve: bife, arroz, macarrão e feijão, uma salada de pepino, repolho e outras coisas cruas, purê de batata e vatapá. Na churrasqueira o proprietário prepara as carnes assadas. Escolho tambaqui. Tudo bem simples e gostoso. 10 reais para comer quanto quiser. Termino. José se oferece para pagar pra mim, recuso. Vamos embora ele também se oferece para ir comigo até o hostel, também recuso, já que estou no sentido contrário do seu hotel. Me despeço com a promessa de visitar suas loja no dia seguinte. Nas ruas escuras, sinto medo, mas me apego na esperança de que nada vai acontecer e retorno ao hostel sã e salva. Vou direto ao andar do refeitório e começo a escrever. De lá tenho uma vista bonita do centro.

Tenho certeza que entre minhas melhores lembranças desse dia e dessa viagem são os manauaras. Muito simpáticos e abertos ao papo e a contar suas histórias.

Revisando o texto, posso afirmar depois de viajar, que isso vai se repetir no dia seguinte e por toda viagem (e mais tarde com os paraenses). Todos motoristas do Uber conversam a viagem inteira. Não sei ao certo se eles são simpáticos mesmo ou se sentem à vontade para falar com clandestinos, pois talvez não falem muito entre eles em suas casas. Ou se realmente falam bastante, sinto que querem mais dizer do que ouvir. Eu viajei querendo escutar mais que falar, uma sintonia perfeita, uma vista boa. Tudo parece navegar tranquilamente e nenhum banzeiro até agora.

… continua em “cidade de deus” — de barco #3

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Café das sete
Revista Passaporte

Por Helena Merlo. MUITOS erros de digitação pq eu escrevo na fritação do sentimento! CATARSE. "A arte é uma confissão de que a vida não basta" F.Pessoa