de barco #7

Café das sete
Revista Passaporte
Published in
8 min readFeb 17, 2020

Oi! Esse é um diário de viagem, temos parte 1, 2, 3 ,4, 5 e 6

11/01/2019

alter do chão

Acordo às 07hrs da manhã, Emi continua dormindo eu decido ir caminhar pelo barco. Muitas pessoas ainda dormem, mas o movimento acontece, vejo o porto de Santarém que está rodeado de outros barcos que estavam invisíveis durante a noite quando tínhamos chegado. Decido tirar algumas fotos de despedida, encontro com Marissol, me despeço da garota com um abraço e tiramos uma foto. Volto para cabine, Emi está acordando, ela vai se juntar a Martina e eu pego uma grana para tomar um café antes de ir. Me encontro com Antônio e me despeço dele também, que pega meu numero de celular, sem que eu pedisse ele irá futuramente me enviar fotos do resto da viagem, do barco e das pessoas.

Marissol

Subo pela última vez no último andar do barco, olho o Rio daquele enquadramento, bate um vento no meu rosto e eu tento memorizar cada detalhe daquele sensação e vista. Fico por uns minutos por lá, só contemplando. Agora escrevendo, mesmo sem acesso as fotos que tirei eu consigo reviver a mesma sensação que tive o cheiro, a neblina, um vento meio denso. Faz quase um ano desse dia e eu lembro exatamente como estava minha roupa, meu cabelo e como eu vive esse momento. De novo era eu sozinha num barco lotado de gente e vida. Eu e o Rio num sentimento sem vista de fim que imitava a vastidão da água no meu campo de visão. De novo vinha na minha cabeça: não é possível que eu ainda vá viver algo que supere isso?

Me despedi dos gringos e segui meu caminho. Adilson me espera com uma placa escrita meu nome. Enfim, eu estava na terra do Pará, uma das primeiras decisões que eu tinha tomado antes de viajar sem saber ao certo o que me esperava. Já no táxi eu percebo uma diferença do Amazonas, agora eu não tenho um motorista falador me contando sua vida. Curiosa que sou, eu até tento perguntar um pouco, mas não quero deixar o cara desconfortável e sigo observando a estrada que é cercada por floresta.

Alter do Chão fica cerca de 40 minutos de Santarém, mais tarde eu iria descobrir que dá pra fazer o trajeto de ônibus, bem mais barato. Passados os minutos eu chego em TerrAmor, minha hospedagem a partir de agora até o fim da minha viagem. Fui recebida por Índios Brasil, proprietário do local, que me explicou tudo sobre o hostel. TerrAmor é um hostel que fica dentro de uma reserva ambiental e funciona de maneira sustentável. Logo que cheguei já fiquei feliz com a estrutura do lugar, toda de madeira e envolto de floresta e plantas, lá é tudo muito lindo. Escolhi um quarto compartilhado para economizar, mas eu era a única hóspede, então fiquei sozinha.

Alter é um presente para qualquer um que o visite, distrito de Santarém o lugar reúne diversos ecossistemas amazônicos como savana, várzea e floresta. Tudo nessa viagem foi um grande presente e girava numa perfeita sintonia. Um dia em casa quando eu só planejava visitar o Pará estava conversando com um amigo, o Pato, ele me contava que também pretendia visitar o estado na mesma época que eu e me falou sobre Alter, como era maravilhoso e muito famoso. Eu nunca tinha escutado falar sobre o distrito, meu único plano para essa viagem era fazer uma viagem de barco. No dia que eu reservei minha cabine no barco eu vi que Santarém ficava bem no meio da viagem e que tinha um aeroporto na cidade. Decidi comprar minha volta de lá e passar o resto dos meus dias por Alter. Sem saber eu estava me marcando para sempre com a energia desse lugar, que é surreal.

Depois de acomodar minhas coisas no quarto eu decidi sentar numa mesa do hostel que tinha uma vista distante do rio e começo a escrever no tablet sobre a viagem. Já é quase 13hrs da tarde eu começo sentir fome, decidi ir caminhando pela estrada em direção ao centro da cidade. Um quilômetro e meio depois e eu chego a praça central de Alter e tenho como vista a Ilha do Amor. Trajando minha fantasia de turista, estou de calça, bota timberland (também um empréstimo que peguei com minha irmã), chapéu e mochila. Me sento para observar e logo aparece um sujeito para me oferecer passeios turísticos. Mesmo tendo seu nome da minha memória e no meu bloco de notas, vou chamá-lo por aqui de Tucuxi, mais tarde eu descobriria algumas histórias sobre o nativo e não sei bem as proporções que esse texto pode ter, prefiro preservar o rapaz.

Ele me oferece uma série de passeios turísticos, eu escuto o rapaz e digo que acabei de chegar e mais tarde passaria na “barraca” dele para ouvir melhor sobre os passeios. Vou almoçar. Tudo caro, procuro um mais barato, encontro uma escadinha com um executivo que custa 20 reais. Pronto. Preciso dizer que eu comi peixe praticamente todos os dias da minha viagem. Essa parte do norte que eu conheci tem a comida maravilhosa. Volto à beira e encontro Tucuxi novamente, ele me conta sobre todos os passeios, eu pego meu caderno e tomo nota das atividades e dos valores para me decidir depois com calma o que faria. Ele sugere dar uma volta comigo, aceito. Vamos caminhando pela orla do Rio e ele vai me mostrando a cidade e contando um pouco de sua história.

Tucuxi é filho de índios, descendente dos Boraris, ele conta sobre a pesca de sua família e como seu avô estava decepcionado pois não pode mais pescar, já que estava com as vistas ruins. O jovem me explica que a pesca é feita durante a noite com um arpão e uma lanterna e por isso precisa enxergar bem, já que junto aos peixes estão também os jacarés e as cobras. Também me conta que é casado e têm filhos, ao passarmos em frente a uma pintura de botos, ela fala sobre a festa de disputa dos botos, onde duas etnias diferentes encenam e dançam, boto cinza e boto rosa. Caminhamos até uma espécie de cais e voltamos fazendo outro caminho que vai dar na praça central. Passamos em frente a um hotel e o rapaz comenta insatisfeito que aquele prédio “tampou o vento” desde que foi construído. Eu olho para o imenso prédio também insatisfeita. O hotel recebe o nome de Mirante, depois da informação do indígena eu me questiono como o capital mira exatamente no dinheiro e deixa para trás qualquer possibilidade de horizonte. Vamos chegando ao nosso ponto de partida e eu me despeço de Tucuxi com a promessa que voltaria depois para fazer os passeios.

Olho meu celular e vejo que Victor, que eu conheci lá barco, me respondeu ele estava almoçando no mesmo restaurante da escadinha que eu almocei mais cedo. Vou até lá e encontro o paulista que está junto de Marlena. Paraense, que mora em Alter, maravilhosa! Os dois se tornaram meus companheiros nessa viagem. Marley ainda é um alívio e aconchego na saudade que sinto desse terrinha e posso matar vendo seus mergulhos no tapajós registrados em seu perfil no Instagram. Decidimos ir até a Ilha do Amor.

pôr do sol do amor

Uma das atrações de Alter é a Ilha do amor. Para atravessar do centro da cidade até a ilha você um barqueiro que cobra 5 reais, primeiro barco que sentei, perguntei para o barqueiro: qual nome do seu barco? Ele me respondeu: Helena! Como eu disse, não conhecia nada sobre o lugar, minha expectativa para essa viagem (assim como minha mala) era um role caminhada pelas floresta e no máximo um ou outro mergulho de rio. Entretanto, Alter é um verdadeiro paraíso das praias de água doce. E todo rolê tem configurações de uma praia, estava eu na areia branca da ilha de botas, calça comprida e mochila. Tiro as botas, arregaço a calça até os joelhos e vamos andando pela “praia”.

Marley já tem seu primeiro encontro com seres que habitam Alter, seriam vários no decorrer da minha estadia. Conheço Paula, Maria, Sônia, Iara e Lili; belorizontinas. No papo vamos nos revezando entre as coincidências da mesma terra natal e as diferenças do bairros de origem e residência. Eu zona norte, venda nova, elas zona sul, São Agostinho. Tomamos cerveja, conversamos, Marley sugere que seria legal uma caixa de som e em seguida pede ao garçom uma dose de cachaça de jambu. Eu brinco com minha personagem de turista e respondo: eu tenho! Colocamos um som e degustamos a cachaça. Tremeeeeee!

Começa a cair a tarde e Marley fala pra irmos para um lugar mais a frente na orla para ter uma visão melhor do pôr do sol. Lá nos encontramos com mais três pessoas conhecidas da paraense. Não vou descrever esse momento, vou deixar as imagens a seguir falarem por mim.

Maria, filha de Paula

Voltamos para praça. Como vatapá de camarão, numa bandeja de isopor, um pouco de arroz, de jambu cozido e o vatapá, sensacional. Paramos no bar da Glória e eu conheço Marcelo, que trabalha com Bioconstrução e Alice, sua esposa, também conhecidos de Marley, que me dão uma carona até a estrada de terra que dá acesso ao meu Hostel. Já está totalmente escuro e como hostel fica numa reserva, não tem nenhuma iluminação na curta ladeira de terra que preciso percorrer. Pego a pequena lanterna de dar corda que trouxe emprestada do meu irmão e subo atenta. Escuto alguns barulhos e vozes, fico um pouco apreensiva, mas sigo meu caminho. Na hospedagem, decido tomar um banho, apesar de ser bem quente e úmido o Pará, a temperatura nessa noite está mais amena e uma brisa fria deixam a descoberta a seguir com um tom ruim. O chuveiro é frio, sem eletricidade. Tomo meu banho frio, um pouco descontente e vou para área de internet. Por lá, Índios toca violão e canta músicas colombianas com alguns amigos, fico distante, porque não me sinto parte e também não sou convidada a me aproximar. Tô com frio, decido ir dormir, com a lembrança do pôr do sol da praia do amor gravada em mim para sempre.

… continua em “guaribas invadem meus sonhos” — de barco #8

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Café das sete
Revista Passaporte

Por Helena Merlo. MUITOS erros de digitação pq eu escrevo na fritação do sentimento! CATARSE. "A arte é uma confissão de que a vida não basta" F.Pessoa