Angela Mansim
Revista Passaporte
Published in
2 min readJan 28, 2022

--

Passei bons anos refém do desenho do meu nascimento. Não escolhi nome. Não escolhi nacionalidade. Não escolhi família. Não escolhi renda. Não escolhi educação. E ninguém escolhe, a escolha é de outros.

Cabe a nós aceitarmos e vivermos com isso.

Pelo menos, assim fui ensinada a pensar.

Impossível. Achava improvável me desconectar deste desenho. Apesar de tanto querer e sonhar em ser outra.

Parecia uma traição me tornar uma mulher do mar, sendo que nasci no interior. Parecia uma traição gostar de outro país, sendo que nasci brasileira. Parecia uma traição enriquecer, sendo que a família reclamava de dinheiro. Parecia uma traição pensar diferente e desenhar qualquer outra vida.

Era culpa do nome, da nacionalidade, da família e da renda. Até que descobri que de fato a culpa mesmo era dela: da educação.

Ensinada fui a aceitar a minha condição. A não questionar. A não acreditar que tenho potencial de ser a desenhista. Era tudo traição do meu destino.

Seguindo a minha educação, era preciso mudar de renda para mudar de vida. Mas a ordem estava errada. Era preciso mudar de vida para mudar de renda. E tal ordem aprisionou-me, fez a mim refém.

Dinheiro é de fato liberdade, mas ele não passa de recurso. E eu sou geradora de recursos.

Recebemos muitos presentes que não são dinheiro. Talvez o mais especial deles estejam nas pessoas que conhecemos: nas relações e informações de possíveis outros desenhos.

Ao transformar a minha educação e ao questionar os alicerces que foram construídos sem escolha, eu escolhi desenhar uma nova realidade para mim.

Demoli as bases.

Não do dia para a noite.

Precisei desenhar novos mapas.

Não da noite para o dia.

Afastei-me dos fantasmas, crenças, pessoas, discussões e informações antigas.

A mudança foi menos complexa, porém, mais dolorida do que parece: ela foi uma simples e ardente decisão.

Passei bons anos refém do desenho do meu nascimento. Não escolhi nome. Não escolhi nacionalidade. Não escolhi família. Não escolhi renda. Não escolhi educação. E ninguém escolhe, a escolha é de outros.

Cabe a nós aceitarmos e vivermos com isso. Ou agradecermos e desenharmos a nossa vida daqui para frente.

E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer. ⸻ Amyr Klink.

Instagram meu.

Florianópolis, Santa Catarina.

--

--

Angela Mansim
Revista Passaporte

Designer de textículos. Livre & maluca, amém. Instgrm: @angelamansim.