Do Kosovo, guardo a lembrança do cheiro das amoras

Ma Chaves
Revista Passaporte
Published in
6 min readJul 13, 2020

O que eu fui fazer no Kosovo e como foi

A Biblioteca Nacional do Kosovo em Pristina, a capital.

Minha curiosidade surgiu quando uma grande amiga namorou um kosovar (pessoa que nasce no Kosovo). Então, quando planejei minha viagem aos países dos Balcãs, inclui esse país tão desconhecido em meu roteiro. Do Kosovo eu não sabia nada, só tinha ouvido falar da guerra.

O Kosovo é o país mais novo do mundo e não é reconhecido como país por várias nações, incluindo o Brasil. Sua capital é Pristina, com apenas 600.000 habitantes.

Nas minhas pesquisas, Pristina não aparecia como uma cidade interessante, mas quis visitá-la mesmo assim, por ser a capital do Kosovo e por retratar os anos de comunismo em sua arquitetura.

Tinha zero indicações, pois são poucas as informações que achamos sobre esse país na rede e eu não conhecia ninguém que já tivesse ido lá. Pois, afinal, Pristina não é Barcelona e quase ninguém visita o Kosovo, principalmente brasileiros.

Como base no país, escolhi uma micro cidade chamada Gjakove, que me pareceu mais simpática. Por estar viajando sozinha, achei que em uma cidade pequena seria mais fácil me locomover, principalmente à noite, para sair para jantar e tal. Poderia fazer tudo a pé, sem maiores problemas.

Fiz a escolha certa, pois a capital é uma cidade espalhada, com construções duras; uma herança do comunismo, claro. Pouco arborizada, nem um pouco convidativa, nem interessante. Apenas uma rua me chamou a atenção. Diferente de todas as outras, era uma rua com cara de ocidental e que poderia estar em qualquer capital deste mundo. Não por suas lojas, pois não havia nenhuma, mas por ser uma ruazinha bonita, arborizada, com barzinhos e restaurantes charmosos. O suficiente para se destacar no meio de todo o concreto de Pristina.

Era cedo, os restaurantes estavam abrindo e escolhi um deles para um brunch. O lugar era uma graça e a comida muito gostosa. O que escolhi foi no chute, porque não fazia ideia do que era aquilo e o garçom, com seu inglês simples, não soube me explicar. Mas foi algo muito bom. Durante meu brunch, uma mãe e sua filha entraram no restaurante, bem vestidas, chiques porém discretas. Percebi, então, que estava talvez no the place to be de Pristina, mesmo com o lugar e a rua ainda vazios.

Foi uma boa experiência. Uma cidade com poucos contrastes, a não ser por esta rua. Serviu-me para presenciar um pouco da história do Kosovo e aumentar as estatísticas de que Pristina é ok, mas deve ser visitada.

A rua de restaurantes em Pristina, a capital do Kosovo.

Saindo do restaurante, aí sim veio a experiência pristiniana. Estava indo em direção à famosa Biblioteca Nacional do Kosovo e no caminho atravessei uma espécie de praça ou parque. Lá havia uma árvore gigante, que reconheci ser uma amoreira e que estava carregada de amoras. Ali estava uma família, pai e filho, com uma escada, colhendo as frutinhas. Imediatamente, me lembrei da minha infância e de quando eu, criança, saia para pegar amoras com meus pais, perto da minha casa em São Paulo.

Timidamente, me aproximei e sorri, pegando uma amora. Rapidamente, os dois sorriram de volta e me convidaram para colher com eles. Um convite por gestos. Naquele momento, debaixo de uma amoreira no Kosovo, percebi como o mundo é pequeno. Nós éramos apenas pessoas, a mesma raça humana, nascidos em países tão distintos e tão distantes e que, mesmo sem falar um a língua do outro, estávamos ligados porque gostávamos de amora. Fiquei mais do que o planejado, estava feliz e emocionada com aquele encontro. Lembro que a minha roupa ficou completamente manchada de amoras. As manchas nunca saíram, mas eu nem me importei, pois ficaram de lembrança.

Amoras no parque em Pristina, capital do Kosovo.

O retorno para Gjakove foi tranquilo, de ônibus. A cidade é daquelas bem fofas, com casas de madeiras no centro e com uma ruazinha que me lembrou até uma rua de Campos do Jordão, só um pouco menor.

Centro de Gjakove, Kosovo.

Durante o dia, presenciei um almoço de um grupo de velhinhos em um restaurante-casa. Era a casa de um deles, que havia cozinhado e estava recebendo os amigos. Mas parecia ser também um restaurante — tinha uma varanda aberta que dava para a rua. Era como uma casa de qualquer interior pobre do Brasil. Eles ficaram a tarde toda curtindo juntos, pois passei algumas vezes em frente à casa durante minhas andanças e os vi ainda lá. Afinal, tudo ali era muito pequeno e rapidinho de se conhecer. Parei e trocamos algumas palavras, como Brasil e Pelé. Juro que eles me disseram isso e me convidaram pra comer com eles. Daí eu praticamente invadi a casa deles, de curiosa que sou, e pedi, quer dizer, fiz mímicas, perguntando se poderia tirar fotos. Eles sorriram. Deviam ser albaneses (95% da população kosovar é albanesa), pois os albaneses são muito simpáticos (já estive na Albânia).

Gjakove, Kosovo.
A casa-restaurante no centro de Gjakove, Kosovo.

Me inspirei naquela turma de amigos e resolvi apreciar o tempo. Sentei em um café, mudei para outro e depois visitei um café literário lindo. Por fim, na hora do jantar e já em um restaurante, comi uma salada grega deliciosa. Tudo ali, na mesma e única rua que era o point naquela Gjokove, de 40.000 habitantes.

As ruas do centrinho são bem movimentadas à noite, com bares e restaurantes para todos os lados, com a população jovem toda na rua e casais passeando com seus carrinhos de bebê. Meia noite passada, voltei para a casa em que estava hospedada.

Salada grega em Gjakove, Kosovo.

A casa em que fiquei era de uma moradora local. Encontrei-a em um site de hotéis, mas era a sua casa. Escolhi propositalmente, pois queria conhecer uma autêntica casa kosovar e sua família. A garota era simpática, educada e me acolheu super bem. Só tenho boas lembranças dessa estadia e de nosso papo. Ela me explicou um pouco sobre seu país e do quanto estudava e se esforçava na faculdade para poder ir para a Europa. Ironia, pois ela já estava na Europa. Mas compreendi suas palavras. E ao fim de uma agradável convivência, no dia seguinte me despedi. Ela tinha apenas o velho e novo sonho de quase todos do globo terrestre. Mas, afinal, porque no Kosovo seria diferente?

Minha hospedagem em Gjakove, Kosovo.

--

--

Ma Chaves
Revista Passaporte

Estilista, viajante, Paris addicted. Amante das artes em todas suas formas de expressão, vinhos, patins e cafés. https://www.instagram.com/machaves_praparis/?hl