Antonio Carlos Boa Nova
Revista Passaporte
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4 min readOct 23, 2019

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Já houve dias em que o Brasil teve as atenções voltadas para Gotemburgo. Foi na Copa do Mundo de 1958, quando a seleção brasileira, jogando no estádio local, finalmente desencantou ˗ 2 a 0 nos russos, com dribles estonteantes de Garrincha, e depois 1 a 0 no País de Gales, gol do então garoto Pelé.

Situada na costa sudoeste da Suécia, perto da foz do rio Göta, Gotemburgo é a segunda cidade do país e o maior porto da Escandinávia. A Volvo tem ali sua fábrica de automóveis.

O centro histórico de Gotemburgo é circundado por um fosso.

Viéramos de Copenhague, com baldeação em Malmoe, já em território sueco. O hotel não ficava longe da estação de trem, e ao desembarcarmos, fomos caminhando até ele (viva o inventor da mala com rodinhas!…). Logo percebemos estar numa cidade bonita e aprazível ˗ calçadas largas e limpas, ruas de pedestres pavimentadas com paralelepípedos, fiação subterrânea… Como nas outras que visitamos na viagem, há ciclovias em grande parte do espaço urbano. E transporte público de qualidade; Gotemburgo, aliás, tem o maior sistema de bondes da Escandinávia.

Rua de Gotemburgo.

Depois, passearíamos no Tradgardsforeningen parque oitocentista que se estende pela área central; entre os parques daquela época, figura entre os mais bem preservados de toda a Europa. Nos últimos três anos, a avaliação do Global Destination Sustentability Index considerou Gotemburgo, entre todas as cidades do mundo, a mais sustentável para sediar congressos e outros eventos.

Ainda no centro, percorremos o elegante bulevar e tivemos ocasião de ver que a cidade conta com teatros, sala de concertos e de ópera, museus e outros espaços culturais. Tudo isso, com uma população de pouco mais de 500 mil habitantes.

No dia da chegada, almoçamos, por bom preço, no antigo mercado, instalado em prédio do século XIX. Ao me ver fazendo menção de escolher carne de porco, um senhor ao nosso lado no balcão não se conteve:

– É bom aproveitar para comer peixe. Vocês estão em Gotemburgo!…

Fiquei surpreso com a iniciativa, pois os suecos, mesmo fora dos filmes de Bergman, têm fama de taciturnos, e deles não se espera que puxem conversa. Mas o homem tinha razão, afinal aquele é um porto pesqueiro. Seguimos o conselho e nos demos bem com as iguarias locais.

No dia seguinte, almoçaríamos no próprio mercado do peixe, que desde o século XVII funciona num prédio construído em formato de igreja. Daí, ser denominado Feskekörka, “igreja do peixe”. Muito bom, mas não tão barato como imaginávamos.

Feskekörka, o mercado do peixe.
Junto à entrada do mercado do peixe, um monumento aos que trabalhavam no porto pesqueiro.

Visitamos o museu da cidade, que entre outras curiosidades mostra o que restou de um barco viking, e aprendemos um pouco da história de Gotemburgo. Sua fundação data do século XVII, e na ocasião o rei sueco recorreu a holandeses, que utilizaram seu know-how para recortar o traçado urbano com vários canais; pouco tempo antes, em Recife, eles haviam feito algo semelhante.

Detalhe do centro, com o prédio do Museu da Cidade.

Na condição de grande porto, Gotemburgo não tardou a se constituir como principal meio de comunicação do país com o mundo. A cidade foi sede da Companhia Sueca das Índias Orientais, em cujo antigo prédio funciona hoje o museu municipal. E foi de lá que partiram, entre 1850 e 1930, muitos emigrantes que pretendiam recomeçar a vida nos Estados Unidos ˗ estima-se em um milhão e meio. Na época, a Suécia era país relativamente pobre.

Na área ribeirinha de Gotemburgo.

O caráter portuário, com estaleiros navais, e também a instalação de indústrias, como a Volvo, levariam Gotemburgo a reunir grande contingente de trabalhadores. Demos uma volta em Haga, antigo bairro operário, hoje em processo de renovação, e vimos extensos conjuntos de casas de madeira sobre bases de alvenaria, todas muito bem conservadas.

Casas típicas no bairro de Haga.

De uns anos para cá, a cidade vem reinventando sua vocação. Se antes a tônica era dada pelo parque industrial, agora a feição predominante é a de polo para iniciativas inovadoras em vários campos: tecnologia, design, artes, gastronomia etc. Visitamos, aliás, o Museu Röhsska, considerado o melhor da Suécia em design e artes aplicadas. Gostamos, embora tivéssemos preferido seu congênere em Copenhague, que conhecêramos poucos dias antes.

Andando pelas ruas, nota-se a diversidade de etnias e culturas. Aquele país nórdico homogêneo, povoado quase unicamente por habitantes louros de olhos claros, já pertence ao passado. Há quarenta anos ou mais, a Suécia tem papel de destaque como destino de imigrantes, em especial na acolhida a refugiados; da atual população, cerca de 1/6 é formado por pessoas nascidas em outros países.

Não chegamos a experimentar pratos típicos da culinária sueca, mas deu para nos deliciarmos com seus magníficos pães. Cuidamos, porém, de não cometer o exagero de Adolfo Frederico, desmiolado rei do século XVIII: ao final de uma comilança, atacou sua sobremesa predileta, e a foi repetindo sem cessar; na décima quarta rodada, caiu duro e bateu as botas.

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Antonio Carlos Boa Nova
Revista Passaporte

Sociólogo. Autor do livro “Fora da Ordem: do claustro ao mundo secular”.