Em um ônibus com o mundo inteiro

Maria Eduarda Ferraz
Revista Passaporte
Published in
4 min readMay 23, 2018
Foto: Adam Thrush.

Estou em um ônibus pelas estradas do Canadá há 3 horas. Do meu lado direito, Suíça e Alemanha; atrás de mim, a Arábia Saudita; a minha frente Eslovênia, México e Coréia do Sul; do meu lado esquerdo, Brasil e Japão. Fazendo uma viagem pelas Montanhas Rochosas de Alberta e da Colúmbia Britânica conheço partes do mundo sob quatro rodas. O que nos espera? Um feriadão inteiro dividindo o mesmo céu e o mesmo teto.

Sou latina, brasileira e, mesmo não tendo percorrido todos os cantos do mundo e tentando deixar os estereótipos que temos de lado, sei que nosso jeito de lidar com as pessoas é diferente da maioria. A gente, em geral, gosta mesmo de beijar e abraçar e pode ser estranho encontrar com alguém que precisa da intimidade de uma vida inteira pra fazer essas coisas.

Falando sobre mim, estando em um país novo, às vezes tenho certa hesitação na hora de conversar com desconhecidos, porque as pessoas são diferentes, não adianta fazer suposições. Para cada ação, uma reação, como na vez em que fui dizer tchau a um amigo francês, que tinha feito duas semanas antes, lhe dando um enorme abraço que ele não soube muito bem como lidar. — Retribuiu o gesto de adeus com o abraço mais desajeitado possível, enquanto dizia assim para mim: “você é ótima” e ria, meio sem graça.

Onde quer que esteja agora, J, seu abraço pode ser diferente dos que costumo receber no lugar de onde vim, mas eu sei, de coração, que foi a melhor forma de se expressar que você poderia me dar naquele momento, porque é assim que você é. — Vou tentar não me perder em outros pensamentos no meio do caminho, mas é que ninguém me preparou pra descoberta que fiz nesta mini viagem, dentro de outra viagem: eu não gosto de dizer adeus.

A playlist do guia canadense, que ia de Neil Young a Young the Giant; as longas horas que tivemos que enfrentar pra chegar nos destinos desejados; a decisão que cada um tomou de sair de casa, mesmo que por um tempo, para aprender mais do idioma ou do mundo, eu não sei o que foi, mas algo nos uniu, ainda que por um breve momento na linha da vida. Senti que poderia ficar ali por muito mais tempo, não só porque conheci lugares tão bonitos que nem posso descrever, mas pelas pessoas que estavam junto. Umas, é claro, mais do que outras.

Em uma das noites, houve uma festa no quarto 26 de um hotel em Lake Louise Village. Recebi o convite pela boca de uma alemã que, nos 3 dias seguintes, se tornaria uma amiga de décadas, contaria sobre a sua vida, seu trabalho, seu amor, riria, dançaria e choraria comigo, enquanto lembramos juntas de pessoas que estiveram conosco e que já não estão mais aqui.

Em outro dia faria uma singela guerra de bolas de neve, Brasil-Alemanha-Canadá-Eslovênia, em um lago congelado em quase 90%, esquecendo do medo de pisar no lugar errado e cair dentro de uma água com temperatura negativa.

Nesta vida que vivemos em um feriadão, eu ainda iria tentar reaprender a jogar sinuca, dançar rap no único pub de um vilarejo, que também era o restaurante do lugar, me irritar com um australiano sem modos, voltar para o hotel rindo alto com a Coréia do Sul, a Alemanha e o Japão, sem nenhuma razão que realmente justificasse a nossa reação escandalosa. Mas era isso. A gente estava ali, sem nem se conhecer direito, compartilhando, talvez, um dos melhores momentos das nossas vidas, e isso é intimidade suficiente para rir por uma era.

Em nossa última noite juntos, houve uma festa no 352, ou o quarto da dupla de amigos da Arábia Saudita que, já faz um tempinho, vive em terras Canadenses. Lá havia álcool rolando; umas 12 pessoas meio cansadas depois de muito andarem de Kayak no lago; uma conversa sobre homens poderem ter 4 mulheres diferentes; rapazes do oriente médio tentando explicar seu ponto de vista sobre namoro e casamento; ocidentais procurando entender a cultura alheia, tentando não deixar seu ponto de vista atrapalhar muito e nem sempre conseguindo; a Europa defendendo a América Latina e se defendendo de estereótipos… Eu já disse, havia álcool no meio e era a fórmula perfeita para dar errado, mas não deu, porque impor não era a intenção de ninguém.

E então, eis que a Suíça, quebrando aquela conversa fiada de que todo latino é quente e de que todo europeu é frio e sem coração, solta a seguinte pergunta:

O que vocês esperavam quando compraram essa viagem?

Todo mundo parou um pouco e ficou naquele momento meio “ele tá bêbado ou é pra responder mesmo?” Até que A prosseguiu:

É porque quando eu comprei a viagem não esperava isto. — Disse mostrando com a cabeça o quarto cheio de gente aproveitando a companhia um do outro.

Foi quando percebi que conheci pessoas tão diferentes de mim e tão similares, e que eu perderia o contato para sempre com algumas, que não se ligaram tanto, mas que, com outras, eu não gostaria de passar toda a vida sem saber o que aconteceu. Finalizei o sonho de ir para as Rocky Montains com alguns novos contatos na agenda, recebendo as fotos mais loucas e mais bonitas do mundo inteiro, com a promessa de sairmos na semana seguinte, em Vancouver, com algumas das pessoas da história e com um monte de memórias gravadas em mim.

--

--

Maria Eduarda Ferraz
Revista Passaporte

Jornalista que, em breve, terá escrito uma biografia melhor.