Eu quero ser gente.

Não quero ser flor de lótus não.

Flay Alves
Revista Passaporte
3 min readFeb 21, 2019

--

Vida nômade. Cafeteria. Livros. Essas três palavras estiveram presentes ao longo de toda a jornada. Hoje, enquanto voltava para casa de um passeio, me ocorreu o quanto a vida é bela. Me questionei: por que evoluir é tão importante e imprescindível? Não quero me tornar uma flor de lótus. Pelo contrário, gostaria de reencarnar várias e várias vezes só para sentir um milhão de vezes mais esse turbilhão no peito que é ser gente.

A gente vem ao mundo. Sorri. Chora. Sente dor. Morre de amor. Treme de ódio. A gente cria. Constrói. Destrói. Arregaça as mangas e refaz tudo. Ou reinventa. Muda do avesso. Jura pelos mortos. Depois se contradiz. Desmente. Mente. E como mente.

Toma banho de mar. Se reúne com os amigos ao redor da fogueira. Fica até entardecer para ver o por do sol. Faz trilha. Namora escondido. Joga charme na balada. Num clique, se apaixona perdidamente. Fica carente. Fica eufórico. Fica confuso. Joga tudo para o alto. Depois quer recolher os cacos, colar os pedaços. Vê o que dá para consertar.

A gente dá a luz. É luz. Se doa. Se entrega. Muitas vezes se esfola por tão pouco. Anula a si pelo outro. Depois se refaz. E começa tudo de novo. Mas sempre novo.

Nunca é velho. O presente nunca é velho. Ele é sempre novo. A gente envelhece. Cria rugas. Os peitos caem. As sardas aparecem. Cabelos brancos então.

Ainda assim, a vida nunca envelhece.

Enquanto a gente tá vivo, tudo pode ser fresco. Mesmo que você tenha 100 anos de idade, pode abrir a janela e sentir a brisa do vento sobre a pele enrugada e pálida.

Se eu pudesse escolher, escolheria viver mil vezes. Não mil anos, não eternamente. Mas para sempre. Entende? Em novos rostos, novas cores, novos gêneros, novos tons, novos recortes geográficos.

Deus me livre virar flor de lótus. Eu gosto mesmo é de ser gente. Errar. Acertar. Errar de novo. Quebrar a cara. Dar com os burros n’agua. Se f*&#r. Puta que pariu. Errei de novo. Falhei. Me equivoquei. Titubeei. Não dei conta. Fiz merda. Eita porra. E agora?

Agora a gente recomeça tudo outra vez porque é a única alternativa. E quando a vida nos dá apenas uma chance, a gente vai lá e tenta de novo. Essa é a parte bonita da vida. Sempre há uma nova chance. Chance para quê? Para acertar? Ser perfeito? Tirar 10? Com louvor? Quanta bobagem!

Chance de ser gente. Sentir o frio na barriga, a angústia no peito, o saltar dos olhos, o arrepio na pele e na espinha da alma.

Eu vou te dizer um negócio: isso aqui que a gente chama de vida. Não tem nada igual. Absolutamente nada. Nem céu, nem reino dos santos, nem nada. Nada se assemelha. Eu posso sentir agora, nesse exato instante. O sangue quente sob as veias. A espinha dorsal torta. Os dedos que falam por si só. E o coração? Você sente? A pulsão no meio das pernas. Cócegas e mais cócegas.

Eu quero ser gente, não quero ser flor de lótus não.

Sou Flaviana Alves, escritora que percorre o mundo fazendo voluntariado e expedições literárias e compartilha vivências e reflexões sob a ótica de uma viajante mulher, negra e nordestina. Acompanhe meus relatos diários no IG.

--

--

Flay Alves
Revista Passaporte

Escritora e jornalista antirracista, feminista e itinerante. Autora de Donas de Si. Escrevo sobre a potência da vida e o encanto de ser gente. Insta flay.alvess