#Ninguém volta igual: Filipinas.

Uma feliz descoberta ao acaso

Bruna Próspero Dani
uma-maleta-de-mão
6 min readOct 15, 2017

--

Fazer um mochilão pela Ásia foi uma decisão tomada de supetão, uma vontade repentina, assim como aquela que às vezes dá de fazer um bate-volta no litoral paulista, sabe? Senti que era a coisa certa a se fazer, dei uma olhada nas economias depositadas na poupança (sem nenhum planejamento ou nexo) e fui.

Filipinas foi eleito como primeiro destino, sabe-se lá o porquê. Talvez seja por ser um dos lugares menos badalados na época. Era como optar por “Bonete” ao invés da “Praia da Cural” em Ilhabela, litoral de São Paulo.

A verdade é que eu não sabia o que poderia esperar daquele arquipélago retratado por fotos de deixar qualquer um de boca aberta. E não bastava escolher o país, ainda tinha a difícil tarefa de escolher em qual das ilhotas passaria meus primeiros dias em continente asiático, antes de partir para a Indonésia.

Depois de uma breve zapeada em blogs de viagem, pesquisas em guias de livrarias e simulações com trajetos de voos, a escolhida foi Coron: aquela dos lagos e lagoas de águas salgadas e cenários cinematográficos. Conhecida, também, como o "paraíso dos mergulhadores", fato que me deixou ainda mais empolgada, já que naquele ano tinha feito um curso de mergulho e já possuia minha PADI. Mas, algo me dizia que Filipinas era mais do que isso.

Essas eram praticamente todas as informações que tinha sobre meu destino e embora estivesse muito ansiosa para conhecer cada detalhe, preferi ser surpreendida. Fugi tanto da tentação de procurar informações pelo Google que quase me passou despercebido o tsunami que devastou a ilha em 2011.

Fugi das pesquisas, mas minha mãe fez esse papel, claro! Não dei muita atenção ao discurso aterrorizado dela, mas lembrei de suas palavras enquanto olhava pela janelinha do avião quase pousando em terras filipinas. Tudo parecia meio deserto e causava um frio na barriga, daqueles gostosos de sentir.

Antes disso, eu mal sabia encontrá-la no mapa.

Aliás, nem conseguia pronunciar o nome da ilha Coron em Tagalog (idoma dos filipinos, uma mistura de espanhol com ingles de sotaque asiático) e provavelmente eu não pronuncie corretamente até hoje. Desconfio que só consegui chegar até lá, por andar com o “Lonely Planet- Sudeste Asiático” nas mãos e sempre que precisava de alguma informação apontava para o nome da ilha. Afinal, mímica é a verdadeira língua universal!

“Ah!!!Curóóóóón.Palawan!”

Eles me respondiam rindo de mim e logo me enfiavam em uma van, tuk-tuk ou me direcionavam para uma fila.

Pois é, chegar em Coron não é uma tarefa das mais fáceis. Foi preciso uma escala em Abu Dhabi, uma noite mal dormida em Manila (capital caótica de Filipinas) e uma hora de reza brava em um avião monomotor.

Mas eu senti que valeria a pena assim que desembarquei do aviãozinho ouvindo um batuque produzido por um grupo de nativos que recepcionavam quem chegava por alí. Soube que algo mágico me esperava quando senti a brisa abafada da região e fui pegar minha mochila de 31kg com um sorrisão no rosto, como se fosse tranquilo colocá-la nas costas de novo.

Tem lugares que basta a gente colocar o pé para sentir a energia.

Filipinas — definitivamente — já estava entrando para minha lista “alta frequência”.

Quando finalmente cheguei no hostel, me aprontei para colocar um biquíni e ir desbravar as águas cristalinas, mas fui informada que Coron só poderia ser “explorada” pelos passeios de barcos que saíam de manhãzinha e já eram duas e meia da tarde. Um pouco decepcionada fui para o quarto tentar me recuperar do jetlag, mas minha inquietação era maior do que meu cansaço.

Depois de meia hora de cochilo, resolvi pegar minha câmera e sair para explorar o “centrinho”.

Foi aí que descobri Coron de verdade.

Com a câmera pendurada no pescoço (sim! mais turista impossível), fui passeando pelas ruas aglomeradas de tricycles, observando vendinhas estampando o logo da Coca-Cola que pareciam ser de 3 décadas atrás, barraquinhas com frutas exóticas, chão de terra batida, fios soltos pelo céu e um calor de tirar a consciência.

Para minha feliz surpresa nada parecia muito turístico.

Me deparei com uma escola e cenas que pouco se diferenciavam da minha época: pais deixando seus filhos na porta do colégio, meninas com os braços dados cochichavam no ouvido uma da outra, gritaria e sino mostrando que era hora de sair ou entrar nas salas de aula.

O que realmente se diferenciava eram os uniformes das meninas que lembravam as fotos da minha avó: saia rodada, blusa com gola e algumas usavam gravatas para arrematar a composição.

Já estava cansada e um pouco perdida, percebi uma quadra de esportes enorme, com arquibancada para torcida e resolvi assistir a essas cenas de lá.

Enquanto recuperava o fôlego, comecei a testar a função manual da nova câmera, me entretendo com os botões de frequência, ISO, foco, e tentando alguns cliques do letreiro em cima de uma montanha em minha frente “ à la hollywood”.

(Momento de arrependimento por não ter aproveitado as aulas de fotografia na faculdade).

Enquanto eu “treinava” meus cliques, eis que aparece um grupo de crianças correndo pela quadra, brincando de pega-pega e gargalhando com a situação. A menina do grupo me avistou e com um olhar curioso veio em minha direção. Eu a cumprimentei meio sem jeito e deixei a câmera de lado para não intimidá-la, mas na verdade, quem estava intimidada era eu.

O olhar simples e de alegria me indagou. Eles não pareciam carentes em nada, e pelo pouco que tinha caminhado pela ilha já havia percebido que tudo era muito simples por lá. Água quente é um privilégio para poucos (os hostels salientavam quando tinham o diferencial com placas alarmantes), as casas eram simples, não haviam carros e panelas eram vendidas no meio das ruas. Aquele povoado parecia ter parado no tempo e eu parecia ter vindo de outro planeta.

Apesar disso, eu era invadida pela felicidade genuína daqueles amigos e em muitos momentos lembrava da minha própria infância. Mesmo com tantas diferenças, de alguma forma, percebia a mesma essência nos risos e brincadeiras.

Depois de alguns cochichos entre eles, a menina apontou para a câmera, fez uma pose com o símbolo de paz e amor nos dedos, sorriu e pediu: "pic, pic, pic".

A barreira que ainda havia entre nós caiu e começamos então uma sessão de fotos e mais fotos. Depois de alguns cliques eles se sentaram ao meu lado e mesmo com uma comunicação difícil entre nós, me senti conectada como há muito tempo não me sentia.

Talvez a língua universal não seja a mímica, mas sim o olhar.

Eu, que de alguma forma, estava buscando as diferenças, me vi celebrando as semelhanças.

Naquele momento eu entendi que o que realmente precisava para o primeiro dia em terras asíaticas não era fazer retratos paradisíacos das águas cristalinas da região. Eu precisava ver a ilha que as revistas, blogs e sites não me mostravam.

Tudo isso pra falar que num estalo reflexivo entendi a tal da “serendipidade*”. Entendi que aquela vontade de me jogar no desconhecido me deu a oportunidade de preencher algo em mim que eu nem sabia que estava em busca. Algo que as águas cristalinas e paisagens paradísiacas não seriam capazes de preencher. Esse algo que até hoje eu não consigo explicar.

E eu que achava que não iria encontrar nada de muito interessante no centrinho de Coron…

*“Serendipity: palavra em inglês que significa uma feliz descoberta ao acaso, ou a sorte de encontrar algo precioso onde não estávamos procurando.”

--

--