Fui rico por uma semana. Sou feliz até hoje. Deixa eu te contar o que aprendi.

Lucas R. Martins
Revista Passaporte
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11 min readMay 7, 2018

Legal, mas primeiro deixa eu te contar como foi que eu fiquei “rico”. E estamos falando de dinheiro, money, bufunfa, não me venha com a conversa que é rico de saúde. Falei espanhol, mas não foi como em La Casa de Papel. Juntei algumas moedas, mas nem se compara a caixa forte do Tio Patinhas. Não querendo fazer suspense, como no tempo dos programas do João Kleber, mas já fazendo, deixa eu te explicar a raiz de toda essa riqueza! Depois dos comerciais. Também vamos tentar avaliar o quanto isso foi honesto.

Einstein estava certo. Ser rico é relativo.

Na verdade, o quão você é rico depende única e exclusivamente de o quão pobre são as pessoas que estão ao seu redor. Então, a primeira coisa que eu fiz foi me transportar para uma realidade de forma a se misturar com os mais pobres do que eu. Não que eu tivesse intenção ou consciência alguma do que estava fazendo, e, ao mesmo tempo queria investir o mínimo possível para isso acontecer. Bem, ir para África, então? Eu já havia ido lá, em dois países, encontrei gente muito mais rica e tão negra quanto eu. Mas e aquela pequena Africazinha bem alí do nosso lado (não se avexe, meu nobre, estou comparando grosseiramente com base em indicadores econômicos), em que as pessoas lêem meia dúzia de páginas de um noticiário e acham que já conhecem tudo? Estamos falando da nossa vizinha Bolívia, e seus queridos bolivianos, o povo que ironicamente tem nome de dinheiro e vice-versa.

A Bolívia tem diversas belezas naturais e imateriais. Mas a maior parte do caminho que fiz de Cochabamba até La Paz era assim. Foi imerso a este cenário que tomei meu café da manhã: Canja de Galinha

Quantos bolivianos ganha um boliviano?
Deixa eu lhe contar como comecei minha aventura: Depois de voar do meu azulado Rio de Janeiro (ou talvez avermelhado; Tem horas que eu acho que o Rio foi feito a base de sangue) com conexão na acinzentada São Paulo, cheguei na moreníssima Campo Grande (cujo nome e apelido não poderiam ser mais justos), passei por Bonito (já este um nome particularmente modesto), até que chegou o momento. Peguei o ônibus.

Um ônibus com tarifa absurdamente cara, horários esparços e antilogísticos, assentos sobrando, com a atitude de parar para almoço em um restaurante descaradamente inflacionado, do qual eu fui salvo por levar minha própria comida, e coisas do tipo. De que país estamos falando? Claro, Brazil!

Depois que atravessei para o lado boliviano, através da fronteira de Corumbá, a cidade branca, também capital internacional do império dos mosquitos pernilongos, e distrito sede da maior quantidade de garrafas de repelente per capita que já visitei, a realidade mudou, e bem mudada. Fiz um trajeto de trem de quase 700 km, bastante confortável por sinal, que custou pouco mais de 70 bolivianos, ou 35 reais. Trinta e cinco surreais.

Boliviano é o nome da atual moeda (Alguns ainda falam pesos. “pêssos”), e também o nome da gente que sustenta aquele país. Foi assim que fiquei rico. Me camuflando entre os ainda mais pobres. E olha que, enquanto escrevo, o salário mínimo deles é maior do que o nosso. Isso soa inacreditável, até a gente lembrar que a nossa merreca mínima é virtual, ou seja, não dá pra viver apenas com ela.

Enriquecimento Lícito Parte 1: Ma oe, quem quer dinheiro?

A primeira impressão que tive é que tudo na Bolívia custa muito barato, e se confirmou até o último segundo lá, embora a qualidade dos serviços prestados seja igualmente baixa, de modo geral. Um almoço simples, que vale por dois, custou R$ 6. Digo que vale por dois pois sempre vinham dois pratos, e apenas um deles já me alimentava. El segundo, muito frequentemente um pollo (frango, sempre tem presença confirmada na cozinha boliviana), e el primero, geralmente uma sopa. Um taxista chegou a me cobrar R$ 3 por uma corrida, ainda que curta. O transporte público local não é onipresente, mas quando o encontrei não custou mais de R$ 2, inclusive o modernoso Mi teleférico de La Paz, viajando nas alturas. E por falar em alturas, um vôo interno comprado com três dias de antecedência, de Potosí a Santa Cruz pela BoA saiu por aprox. 226 reais, já com todas as taxas e bagagem. Se fosse no Bra$il teria deixado um salário inteiro para entrar naquele avião assim, às pressas. Como não se sentir rico, pois embora a minha quantidade de dinheiro era exatamente a mesma, eu poderia consumir, muito, muito mais com aquela grana?

““Praia de Copacabana”” (muitas aspas) vista do meu hotel de frente pro lago Titicaca. Abaixe as expectativas, pois no critério praia, nós é que somos privilegiados, tá? E as “”praias”” do nosso lago internacional, o de Itaipú, também tem esse nível. Mas que eu me senti ultra-mega-rico, isso foi.

Até mesmo nos ônibus rodoviários, daqueles que viajam de noite, paguei incrivelmente barato. Uma viagem de cerca de 16 horas, semi-leito, ar condicionado, calefação, Cordilhera dos Andes arriba, saiu por volta de R$ 100. Aproveitei para usar o meu 3G da Tigo, que era a tecnologia mais moderna que meu celular suportava, mas que funcionava melhor que as melhores redes wi-fi, com um chip que comprei por um valor igualmente baixo, que até esqueci quanto foi. Também fiz a melhor excursão da minha vida até agora, uma inesquecível viagem de dois dias pelo Salar de Uyuni de jipe 4x4, que nem a outra excursão que viria a fazer pelo deserto do Saara conseguiu superar, custando quase o mesmo preço de passar dois dias em São Paulo. Isso logo após te ter me hospedado em um hotel de frente a praia de Copacabana (a deles, que é bem diferente da nossa, por sinal), já próxima ao Peru, pagando R$ 40 a diária, com direito a café da manhã incluindo chá da folha de uma famosa e inocente plantinha.

Eu perfurei minha mão com o susto após a câmera disparar esta foto, nesse cacto em que meu guia afirmou que cresce cerca de um centímetro por ano, e é desproporcionalmente maior e mais antigo do que eu. Desculpem, mas para ter valido a pena eu tinha que colocar ela aqui.

Mas ao cortar o cabelo, não eu, claro, mas um jovem mancebo que me cobrou apenas R$ 7.50 para cortar o meu à tesoura, enquanto tentava arranhar as poucas palavras que sabia de inglês comigo, e eu tentava ensinar outras gastando meu portunhol fluente, foi que comecei a me perceber. É barato. Mas, barato, para quem? Certamente não para aquelas pessoas que vivem lá e sequer tem um rolo de papel higiênico no banheiro. Aliás, se for viajar para lá, leve o seu na mochila, conselho de amigo. Durante uma fração de segundo me veio na cabeça uma mistura de sensações, a de estar explorando os bolivianos e a minha autodefesa de ter feito tudo isso de forma honesta, não tendo culpa direta que a economia deles é muito mais fraca. Na suprema corte do meu tribunal mental, a segunda superou a primeira.

Enriquecimento Lícito Parte 2: A miraculosa multiplicação das granas

No meio desse caminho, por herança histórica da empresa que trabalhava, acabei permacenedo cliente daquele banco laranja que se diz “digitau”. Eles ainda me tratam com os mesmos “mimos”, e também continuam com as medidas de segurança que impedem que qualquer um acesse a minha conta. E nesse qualquer um, está incluso: Eu mesmo. Assim, quase sempre tenho problemas em acessar minha conta fora do país, e também quase sempre estou fora dele. Logo, já dava pra imaginar o que estava por vir, e que veio mais pro final da viagem. Ainda bem que consegui sacar algumas garoupas azuis em Corumbá. Devido a falta de infraestrutura do país vizinho, com cartões de crédito não muito bem aceitos, o complexo sistema tributário tupiniquim que taxa tudo quanto é remessa ao exterior se não for em espécie, a levianidade do câmbio oferecido fora das grandes cidades, um verdadeiro assalto a mão desarmada, onde até mesmo aquelas senhorinhas, as cholitas quiseram incinerar minha carteira oferecendo um câmbio 50% menor do que nossos Reais realmente valiam — Convenhamos, a sensação de ser assaltado por uma velinha de saias rodadas não é das melhores — E, além disso, claro, minha inexperiência. Comecei a ter que racionar o meu valorizado dinheirinho, mas ao mesmo tentando mão abrir mão de nada. Absolutamente nada.

Tentei. Tentei mesmo, barganhas para lá, pedidos pechinchentos nos locais de câmbio para cá. Como locais, leia: lojas ou aqueles senhores sentados nas cadeiras de balanço de “macarrão” de plástico com ar de mafiosos, segurando leques de notas. Algumas coisas foram compradas além do necessário (Ahh... aquelas hamburguesas e salchipapas com recheio sabor bactéria, que inundam a boca de qualquer um, só de pensar), e outras necessárias e devidamente esquecidas, e que só foram lembradas na hora H, quando já era tarde. Num país em que construir banheiros limpos para alugar parece ser um negócio lucrativo, já que eles existem com certa frequência na urbe, assim como nós temos farmácias e padarias. E claro, é barato, mas ainda assim tem que pagar. E, mais claro ainda, os bolivianos na minha carteira, a esta altura, já estavam ficando contados.

Quis andar de Mi Teleférico à vontade até o mirante da Ciudad Satélite, em La Paz (Ótimo passeio). Andei. Quis descer dos microônibus coletivos no meio do caminho para ir em lugarezinhos minimanente interessantes (e pegar outro depois, pagando outra passagem baratíssima, me libertando desse peso). Fui. Pollo dorado? Pollo a la broaster? Pollo a cualquier cosa? Mandei pra dentro. Etc e mais Etcs. Sem me importar, pois poucas vezes meu nível de fé e confiança foram mais altos do que minhas preocupações e temores de situações calamitosas. O algo maior que havia comigo preencheu todo espaço que tinha sobrado para o medo.

Até que… Sempre tem um “até que”. Chegou um momento, após pegar um ônibus para a cidadezinha que tem águas termais quentes chamada Aguas Calientes (E o Oscar de criatividade e obviedade de nomes vai para…), que por sinal recomendo uma parada rápida, e já no sentido de volta para Corumbá; Acomodado em minha poltrona, resolvo devorar a janta, para variar um pouco, um prato que era pra ser de frango com gordura, mas foi o contrário — Nham, nham — fui fiscalizado acerca do pagamento da taxa de embarque, que é separada: Houve dinheiro para ela, ainda que um dos últimos dinheiros, e havia pago. Ótimo. Antes que me perguntem, na Bolívia é comum fazer qualquer tipo de refeição dentro do ônibus, pouco importando se ele tem ar condicionado ou não, e não fui eu quem começou o hábito. Comilança concluída, meu organismo começou a me lembrar, paulatinamente, minuto seguido de minuto, que eu precisava de uma coisa, muito, muito básica, após ter obliterado minha língua e estômago com gordura das mais valentes e colesterol de mais alta categoria: ÁGUA.

“Traga-me um copo d’água, tenho sede / E essa sede pode me matar / Minha garganta pede um pouco d’água / E os meus olhos pedem o teu olhar”

Minha cabeça me incomodava. Passei pelo deserto e não sofri de fome e sede um minuto ao menos. Agora, havia embarcado sem uma gota sequer do líquido da vida em uma viagem de dezenas de horas, empanturrado, na qual dizem que passa por um trecho que não há estrada, e sim só um campo aberto, entre uma ferrovia e mato, por onde os carros passam como bem entender. Dizem isso, e muito provavelmente é verdade, pois não consegui ver nada pela janela além da escuridão digna de trevas abissais, talvez porque realmente nada havia para ser visto. E tudo isso por esquecimento e falta de planejamento.

Desclupe gente, mas só tive estômago de fotografar a entradinha da gruta onde os humanozinhos primitivos se abrigavam. Lá dentro, realmente não teve como.

Quando estava no Salar de Uyuni, tive a oportunidade de ver e me chocar com as múmias — as que sobraram, escapando de serem furtadas — dos humanos primitivos que habitavam a região nos primórdios, mortos em uma caverninha nos pés de um vulcão. Se você achou que eram múmias no estilo de suntuosidade egípicia, embalsamadas e enfaixadinhas, esqueça. Pelo contrário, era uma família com “Paizinho”, “Mãezinha”, e “Criancinhazinhas”, todos de pequena estatura, em posição fetal, como se tivessem passado seus últimos minutos esperando a morte chegar, sob móveis rudimentares feitos de pedra. Sim, agora já esqueletos, mais ainda pareciam transmitir a mesma morbidez de quando ainda eram cadáveres, ou ainda suas agonias derradeiras do momento de seu trágico fim. Foi uma cena tão macabra que não tive coragem de tirar fotos. A causa da morte ainda é incerta, provavelmente uma morte “morrida” e não “matada”. Contudo, como eles estavam em uma região desértica vulcânica, com escassez de comida e água, em um ambiente um tanto inóspito, fica a teoria que eles tenham morrido por peste, fome ou sede. Eu disse morrer de sede? Péssimo antecedente nessa minha situação.

¡Screech! ¡iéee! Uma freiadinha. Entra no ônibus uma pessoa com um balde. Berros em espanhol. Demorou um pouquinho, mas percebi que era um vendedor. E ele trazia, nada mais, nada menos que: Bebidas! Ufa! A garrafa d’água custava 7 bolivianos (R$ 3.50), e isso é bem caro lá. Quanto eu tinha? Fora a reserva de emergência nível máximo, que jamais uso, guardada em notas altas e gringas não cambiadas, em lugares que não te conto e até esqueço que existe, — se é que isso valia como dinheiro nesse momento — contei as moedinhas que davam pouco mais de 7. SETE bolivianos. Assisti minhas últimas moedas se transformarem em valiosas gostas d’água. Posso dizer que fui suprido inesperadamente. Podem existir milagrões e milagrinhos — não fui curado de um câncer em estado terminal — mas esse pequeno grande cuidado que recebi, pretendo nunca mais esquecer.

Enriquecimento Lícito Parte 3: A famigerada adaptação hedônica

Hedô, o que? Hedônica. Não é uma mistura do nome da vó Hedineusa com a tia Verônica, mas se fosse, talvez seria algo um pouco melhor do que é. O ser humano é um poço de desejos que não pode ser satisfeito; Pouco depois de ir para um nível de prazer sensorial nunca antes alcançado, a gente se acostuma com isso, passa a fazer parte de nossa constituição mental como sempre tivesse sido assim, e logo logo voltamos a achar pouco e começamos a buscar mais. De novo. Apenas uma pequena parte desse prazer sensorial se converte em satisfação. E isso não é bom, nem ruim. É apenas uma característica evolutiva, comum tanto a esse homo sapiens que escreve, e quanto aquele outro que está lendo isto. Quando já estava começando a me acostumar a ficar lá, nesse padrão de vida king size, era notável que isso estava despontando em meu interior.

Veja as lições que tirei disso tudo:

  • Dinheiro traz sim felicidade. Fim de papo. Não concorda? Deixa eu te passar o número da minha conta bancária.
  • A felicidade trazida pelo dinheiro passa rápido, e diminui a medida que ele deixa de ser usado para satisfazer as nossas necessidades reais e passa ser destinado a atender vossos caprichos.
  • Se você gastar todo seu dinheiro para elevar seu padrão de vida vai acabar agindo como um hamster, no sentido em que eles ficam correndo numa roda infinita sem chegar a lugar algum, e, parecem não conseguir mais viver sem isso.
  • Por outro lado, ter em quem confiar de verdade, vale mais do que o dinheiro que você tem e que ainda não tem somados. Não tem preço. Existem coisas que o dinheiro não compra, amigo. E para todas as outras, pague a vista mesmo, se não vai acabar pagando com juros.
  • Por isso, o ideal é que você tenha o dinheiro mínimo necessário para fazer você feliz, e invista o restante na felicidade dos outros; Atitude que com o tempo pode acabar virando sua dose extra de energia, motivação, e… felicidade. Sendo assim, felicidade alheia, satisfação sua. Que tal? Pense e reflita porquê estou gastando tempo (e dinheiro, por consequência) para escrever.

Esse artigo é uma “palinha” do livro que escrevi, o “Vem Comigo Até Pequim?”. A boa notícia do seu dia é que ele está disponível. E de graça, por tempo limitado, em versão digital, nesse link: http://sommos.tech/vem-comigo-ate-pequim/livro.pdf

Anyway, qualquer comentário é muito bem vindo. Mandei mal ou faltou algo? Sua crítica construtiva será ainda mais bem vinda e digerida pelo meu suco gástrico. Gostou? Aqui não é o youtubiu para você clicar no sininho, mas você pode clicar em “aplaudir” o quanto quiser. E então amigos, pronto para a próxima aventura?

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Lucas R. Martins
Revista Passaporte

Sou o que sou pelo que nós somos. Às vezes gosto de escrever sobre viagens por esse planeta, e outras vezes sobre viagens mentais. Escrever também é preciso!