Para aqueles que estão fugindo #1: A Meca mística no coração do Brasil

Livro de aventura e busca por autoconhecimento inspirado em acontecimentos reais

Murilo Papantonio
Revista Passaporte
4 min readJun 25, 2019

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Depois de três mil quilômetros rodados só de carona, subimos num ônibus pela primeira vez na viagem. Deixamos pra trás a empoeirada São Gabriel, com ares de terra de bang bang à la sertão brasileiro, rumo a Alto Paraíso. A empolgação para chegar logo à Meca mística do Brasil, além do visual não muito convidativo da cidadezinha à margem da BR, foram decisivos para quebrarmos a promessa feita a nós mesmos de percorrer toda a Rodovia Transbrasiliana pegando apenas caronas.

O grande sol avermelhado se põe no cerrado além da janela do ônibus, nossas peles meladas de suor e poeira sentem o impacto polar do ar-condicionado. Nas proximidades de Alto Paraíso, perto das nove da noite, abordo um rapaz sentado um pouco à frente, acompanhado da namorada, e pergunto se conhece algum lugar barato para passar a noite. Responde que não. No entanto, minutos depois, enquanto o ônibus estaciona na pequena rodoviária e todos se levantam, faz um gesto para eu me aproximar e confidencia: “A gente vai ficar na casa da minha vó, ela mora aqui e tá viajando.”

Espero longos instantes por mais informações ou um convite. Como não diz nada, apenas me fita demoradamente com um olhar curioso, pergunto se podemos acampar no quintal. Ele faz um aceno positivo com a cabeça e abre um vagaroso sorriso — tem um jeitão tranquilo e engraçado.

Durante a caminhada até a casa da avó a cidadezinha se revela deliciosamente bucólica, o céu de um negro profundo, pontilhado por uma infinitude de estrelas cintilantes. O rapaz aponta para algumas casas num barranco, em especial uma delas, branca, construída num formato arredondado e pontiagudo, como uma gota: “É do pessoal do Osho.”

“Do Osho?” Ateu e crente num vago materialismo científico, quando um livro do guru indiano caiu na minha mão pela primeira vez, meses atrás, presente casual de um amigo que nem tinha lido o livro e queria se livrar dele, a minha reação automática foi de desprezo.

Mas, graças a um hábito de buscar conhecer melhor as coisas que pretendo criticar, decidi dar uma folheada no livro com a capa de um colorido brega, típico de livros esotéricos. O choque foi profundo: as palavras do indiano eram as coisas mais revolucionárias que eu já tinha lido — e, curiosamente, suas descrições sobre a meditação lembravam muito uma recente e transformadora experiência com cogumelos mágicos. Mesmo assim, tive que abandonar a leitura do livro pela metade, para começar a viagem pela Transbrasiliana.

Na casa da avó do rapaz compartilhamos uma janta de proteína de soja e a noite segue agradável, conversas empolgadas e Elomar tocando na vitrola. No fim nem precisamos armar a barraca: dormimos no sofá. De manhã agradecemos a hospitalidade e saímos andando pela cidade.

Após algumas horas caminhando, o sol já castigando, encontramos sombra num centro de informações turísticas. Um atendente nos dá dicas de passeios pela Chapada dos Veadeiros quando surge uma menina linda, com uma grande mochila nas costas, que ela acomoda no chão, encostada num pilar. A partir desse momento não ouço mais nada, minha atenção se volta totalmente a ela.

Assim que o funcionário acaba sua explicação e nos entrega mapinhas turísticos, tento puxar papo perguntando se ela também está viajando. Não, não está, nasceu aqui mesmo e trabalha como guia — transmite uma paz só de conversar, no jeito doce de falar, olhar profundo e tranquilo. Tem olhos verdes e longos cabelos ruivos cacheados.

Alto Paraíso vai se revelando aos poucos. A cidadezinha não estava na nossa rota inicial, a BR-153 ou rodovia Transbrasiliana, que vai de Aceguá, no Rio Grande do Sul, até Belém do Pará. Mas, semanas antes de partirmos, uma colega de faculdade falou ao Dênis sobre a cidade, num tom pejorativo. Segundo ela, Alto Paraíso, cercada por inúmeras cachoeiras, assentada sobre uma gigantesca placa de cristal de quartzo subterrânea, seria um antro de vagabundos, com pessoas vivendo em comunidades alternativas e consumindo grandes quantidades de maconha e ayahuasca.

Essa breve descrição sensacionalista foi o bastante para nos seduzir. Decidimos, então, fazer um pequeno desvio da Transbrasiliana rumo à lendária cidade. Por isso pergunto agora, à linda menina de cabelos vermelhos, se ela conhece algum centro que oferece ayahuasca, a bebida milenar dos índigenas da Amazônia.

Acesse o próximo capítulo aqui.

*Acompanhe outros textos do autor na revista indō.

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Murilo Papantonio
Revista Passaporte

Monge que fugiu do monastério, escritor desconhecido, cofundador do institutodo.com