Já ouviu falar de Vrises?

Annamaria Marchesini
Revista Passaporte
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4 min readJun 14, 2018

Estou na Grécia. Mais que isso, estou em Vrises, uma aldeia no Peloponeso. Esqueça o circuito turístico normal com ilhas de casas brancas, praias cheias, restaurantes badalados, milhares de turistas misturando idiomas e paisagens conhecidas de cartões postais. Estou num lugar onde vivem pouco mais de 70 pessoas, hospedada numa casa antiga e deliciosa, de uma simplicidade cativante. De suas janelas, sempre abertas, vejo o mar a 5 quilômetros e ocasos maravilhosos. Aqui todos se cumprimentam, são meio parentes, plantam e comem o que colhem.

Uma estrada que sobe da cidade de Kyparissia, à beira-mar, é a ligação entre as aldeias que povoam a montanha. Vrises é uma delas. Muito de vez em quando o silêncio é quebrado por um carro, um trator, um caminhão. Nos fins de semana, meninos passam a cavalo. Lá no alto há um monastério. Perto da casinha onde estamos há uma igrejinha ortodoxa com o interior lindamente pintado e decorado. Na taverna, a poucos passos, os homens se reúnem para beber o vinho produzido pela proprietária, a doce e sorridente Eleni, jogar conversa fora e ver o dia terminar no horizonte. Há flores por todos os lados e as casas, engastadas nas encostas, têm varandas voltadas para o mar e caramanchões de parreiras.

Nesta época do ano praticamente não chove. É quando os moradores lavam os tapetes que usaram durante o inverno e os guardam até a volta do frio. O vinho gelado, vendido em garrafas de plástico, é leve e refrescante. Os pratos gregos, recheados de legumes e frutas, carne de cordeiro e porco, enchem nossos olhos de desejo. O idioma é o grego e ponto. Alguém que fale inglês? Só no The Old Watermill (não sei escrever o nome em grego), um restaurante/loja que é puro charme e ocupa um antigo moinho de água, estrada abaixo. No dia a dia, aprendemos umas 10 palavras em grego e com elas, ao menos, conseguimos cumprimentar educadamente nossos vizinhos, que nos sorriem de volta com olhos curiosos.

Tudo é novidade para nós neste pequeno mundo grego. Dos costumes às frutas colhidas no pé. Aqui não é força de expressão dizer que “fruta é mato”. Nossa vizinha de frente, Margarita, de 90 anos e é tia de nossa amiga Olga, dona da casa em que estamos, nos oferece pratos de ovos e batata fritos (no azeite, óbvio), verduras que desconhecemos por completo temperadinhas e deliciosas, flor de abobrinha feita de um jeito que nunca experimentei. Não entendemos o que fala (e é recíproco), mas quando nos beija e abraça sabemos o que quer dizer. As calçadas das casas são enfeitadas com desenhos feitos com cal. Para qualquer direção que se olhe há plantações de oliveiras e pés de lavanda. Aqui o azeite é oferecido em garrafas plásticas. Praticamente ninguém compra, porque todo mundo produz.

A casinha em que estamos foi construída pelo pai da Olga e foi aqui que ela nasceu. As paredes são grossas e feitas de pedra. A sala é ampla e abriga também a cozinha. As portas dos quartos são cortinas bordadas. No terracinho ao lado fazemos jantares que começam quando o sol se põe e se estendem até tarde. Os móveis antigos, de pés altos, guardam as louças e os mantimentos e dão uma sensação de aconchego. A mesa, com cadeiras típicas de assentos em palha, nos leva a lembranças de refeições da infância ou das cidades do interior do Brasil. Há limoeiro e laranjeiras no quintal. Quando combinamos a viagem e ainda não tínhamos planos para o terceiro e derradeiro mês deste pequeno sabático, lembramos que a Olga sempre nos convidou a conhecer a casinha em que nasceu. Finalmente aceitamos o convite e não poderíamos ter tomado decisão melhor: a casa é um encanto.

Quando queremos comprar mantimentos e ver um pouco de agitação, descemos para Kyparissia, onde há um bom comércio, muitas tavernas, cafés — os gregos amam café frapê — e serviços. As praias se estendem até onde a vista alcança. É só escolher. Há as desertas e há algumas com infraestrutura de ótima qualidade. A poucos quilômetros, cidades históricas, de ruas estreitas, casas de pedras e mar azul transparente recebem os turistas, mas não muitos, apesar destes dias quentes que antecedem o verão europeu.

Antes de nossa volta ao Brasil vamos conhecer outros lugares interessantes deste país carregado de história e de belezas naturais. Mas nossa base, até o último momento antes de tomarmos a estrada para Atenas e de lá nossos voos para São Paulo, será a casinha deliciosa de Vrises, esta aldeia de moradores simpáticos e acolhedores, oliveiras, árvores carregadas de frutas, muitas flores e varandas voltadas para o céu e o mar do Peloponeso. Temos poucos dias de Grécia pela frente, mas quem sabe até lá eu consiga aprender o suficiente para conversar com a tia Margarita?

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Annamaria Marchesini
Revista Passaporte

Sobre lugares por onde passo e outras coisinhas mais. Afinal, tudo é viagem. As fotos são minhas, para o bem e para o mal.