A foto mostra uma placa bem rústica pintada de vermelho, apontando para a esquerda. Sobre ela, em branco lê-se "Lag. 69 3km".

Laguna 69 — o auge da beleza e exaustão

Um guia de visita para semi-sedentários

Ligia Thomaz Vieira Leite
Revista Passaporte
Published in
9 min readFeb 4, 2019

--

A Laguna 69 é um dos passeios mais famosos do Parque Nacional Huascarán, no Peru. É uma lagoa de cor azul clara, cercada por diversas montanhas da cordilheira andina peruana, cuja cidade mais próxima é Yungay, mas os turistas — como eu — costumam vir de Huaraz para visitar. O normal é contratar uma excursão, mas dá pra ir de transporte público também, apesar de não parecer valer a pena.

Os passeios costumam sair de Huaraz por volta das 4:30 da manhã e deixar de volta na cidade pouco antes das 20, contando com uma parada em Yungay na ida para um café da manhã reforçado e na volta para comprar água e ir ao banheiro. Parece muita demora para pouco proveito, mas, para quem gosta de fazer trilhas e admirar a natureza, eu garanto, vale muito a pena!

Como eu disse no post sobre Huaraz, não lembro o nome da agencia com a qual eu e meus amigos fechamos o tour, mas todos os passeios que fizemos foram tão bons, com guias tão atenciosos e pacientes que eu não podia deixar de indicar: para aqueles interessados, é uma agência de Huaraz mesmo, que reserva os passeios por whatsapp pelo número +51 979537325.

A primeira parte da trilha vista do alto. #ViagemAcessível: a foto mostra uma cachoeira caindo de uma montanha em primeiro plano e formando um rio. Ao fundo, do lado esquerdo da foto, vê-se o vale do rio, por onde passa a trilha para a Laguna 69.

Preparativos

A trilha da Laguna 69 é bem pesada, de modo que é indicado deixar para fazê-la em seus últimos dias em Huaraz, para dar tempo de o corpo acostumar com a altitude e ninguém passar mal enquanto caminha. É também por ser tão pesada que eu indicaria tentar fazer algumas trilhas aqui pelo Brasil antes de ir para se acostumar.

Se sua rotina, como a minha, for pesada e não permitir que você disponha de horas e horas da semana para subir trilhas, ou o lugar que você mora não tiver fácil acesso a elas, vale a pena tirar uns dias na semana para correr com inclinação na academia. Ainda, pra quem já tem costume de correr, vale tentar ir treinando a respiração enquanto isso, inspirando pelo nariz e expirando pela boca. Parece que não é nada, mas lá no alto faz toda a diferença já ter o costume de respirar assim no momento do cansaço.

Mesmo com todo esse treino, tem gente que não consegue subir. No meu grupo, éramos seis pessoas e todas faziam exercício físico com alguma regularidade e só quatro conseguimos chegar ao topo. Não se frustre se isso acontecer com você, porque isso não necessariamente reflete seu condicionamento físico, já que a altitude afeta as pessoas de forma diferente.

Outro ponto que eu acho importante e muita gente negligencia é a escolha do calçado a ser levado para a viagem. Para esse passeio é importante ir com uma bota de trilha alta e impermeável, e para aqueles que estão mochilando e tem pouco espaço na mala, é possível aluga-las na Plaza Genebra, em Huaraz. No mesmo lugar também dá pra alugar calça impermeável e casaco para a chuva. Também é importante levar meias apropriadas para as botas (experiência própria, eu não levei e acabei destruindo minha meia e meu pé ao mesmo tempo).

Já na viagem, a dica é comprar água no dia anterior e levar na mochila para o passeio. No lugar onde o ônibus para no café da manhã, algumas garrafas são vendidas, mas o preço é mais que o dobro do cobrado na cidade pela mesma garrafa e, como é um pequeno comércio, pode acontecer de as águas acabarem. Uma vez dentro do parque, bem na entrada também tem uma vendinha, mas quando descemos da trilha os produtos já tinham sido todos vendidos. Em relação à quantidade, eu e meus amigos levamos um litro e meio por pessoa e foi pouco! Eu indicaria levar pelo menos dois litros por pessoa.

Desbravando a trilha de mochila confortável, bota impermeável, meias altas, legging e corta-vento. Como o dia estava ensolarado precisamos usar o casaco em poucos momentos. #ViagemAcessível: a foto mostra, em primeiro plano, uma pessoa — eu — caminhando na parte final da trilha para a Laguna 69. Ao fundo se veem montanhas, estando uma coberta de neve.

Outra dica importante que eu não vi muito nos sites quando estava planejando minha viagem se refere ao que vestir. O indicado é usar roupa de trekking mesmo, já que, como a trilha é bem longa e o clima na área pouco estável, as temperaturas e condições climáticas do local podem variar muito. Eu não tinha calça de trekking e não achei para alugar do meu tamanho, então fui de legging e levei outra enrolada em uma sacola plástica na mochila para eu trocar quando chegasse no ônibus em caso de chuva e, como não pegamos chuva, foi bem tranquilo. Na parte de cima, fui vestindo blusa de academia e um casaco com corta-vento embutido. De tudo, achei o corta-ventos impermeável o mais essencial. Usado com um fleece por baixo, acredito ser suficiente para fazer a trilha no verão.

Outro ponto dos preparativos é relativo à comida: levem comida. A trilha é longa, cansativa, e lá em cima não tem absolutamente nada à venda e, acreditem, depois que você senta, tendo subido três horas de trilha sem parar, bate uma fome absurda. A boa é levar sanduíches e frutas que não pesem muito a mochila. É importante lembrar de levar seu lixo também, já que deixá-lo por lá, além de poder dar multa, é muita falta de educação.

Pra terminar, antes de ir eu li muita gente falando para não deixar a trilha para o último dia se for embora de ônibus noturno e para não beber antes de subir. Eu fiz as duas coisas e foi super tranquilo. Achei muito bom voltar no ônibus noturno depois da trilha porque estava tão cansada que dormi que nem um bebê. E, quanto ao álcool, não foi planejado, mas eu e meus amigos tomamos algumas cervejas na noite anterior e, pelo menos no meu caso, não sinto que afetou em nada o meu desempenho, mas isso vai de cada um.

Na trilha

A trilha para a Laguna 69 tem 7km de extensão (um pouco maior que uma caminhada na orla de Copacabana), o que seria até bem tranquilo se não saísse de 3900m para chegar a 4600m acima do nível do mar. A altitude, a partir da metade da subida, começa a bater forte e, para resistir, é fundamental beber muita água e evitar inspirar pela boca!

A trilha é dividida em três trechos, sendo o primeiro bem leve, o segundo um pouco mais pesado e o terceiro exaustivo — não, não é exagero. Ela começa como uma caminhada por um vale muito lindinho e só fica íngreme a partir do momento em que chegamos no segundo trecho. É nesse momento da caminhada que temos a primeira vista que já faz valer a pena o passeio.

A alegria de chegar no meio da trilha. #ViagemAcessível: a foto mostra, em primeiro plano uma mulher — eu — com os braços levantados, comemorando a chegada ao meio da trilha. Ao fundo é possível ver uma cachoeira do lado esquerdo e a montanha nevada no canto direito.

É vendo uma cachoeira enorme que a gente chega no meio do caminho, o lugar ideal para descansar um pouco, comer um chocolate ou uma paçoca para energizar, e continuar a caminhada. A partir daí, a maior parte do tempo é só perrengue. Mas não se desespere. Vale muito a pena. E, quando chegamos lá no topo, a maior alegria é sentir que toda aquela beleza é como um prêmio da natureza por você ter conseguido subir tão rápido, tudo aquilo.

A descida, pra mim, foi a pior parte. Parecia que toda a adrenalina do corpo tinha ido embora e o cansaço bateu muito forte, a ponto de eu quase desmaiar, mais de uma vez. Então, se eu puder dar uma dica sobre essa parte do passeio é: guardem as energias para a volta, ela é bem mais fácil que o caminho de ida, mas não deixa de ser uma caminhada de 7km.

A trilha para a Laguna 69 guarda diversas surpresas. Essa lagoa, já na segunda metade da trilha, é uma delas. #ViagemAcessível: a foto mostra uma lagoa de águas escuras em primeiro plano, rodeada de montanhas ao fundo. Bem mais ao fundo, do lado esquerdo, uma montanha inteiramente coberta de gelo.

Pontos práticos e dicas

Por não ser a trilha nem um pouco fácil, acho que alguns pontos precisam ser destacados.

O primeiro é que tem muitas agências que fazem os tours bem mais baratos que a que eu fiz, mas é sempre bom verificar se elas oferecem guia, porque uma boa parte das que eu vi mais baratas oferecia só o transporte até o parque. No caso do meu grupo, o guia foi essencial para que a gente conseguisse chegar, porque ele monitorava nosso tempo e avisava em quanto tempo teríamos que fazer o restante do caminho se quiséssemos conseguir. Ele também nos deu água quando a nossa acabou e ajudou os que estavam com sintomas do mal de altitude. Na volta, quando eu passei mal, ele veio junto comigo, garantindo que eu ia ficar bem. Não acho que eu teria conseguido subir sem o apoio do nosso guia e realmente achei que valeu a pena ter pagado um pouco mais caro para tê-lo com a gente.

O segundo ponto gira em torno do mesmo tema e é outro sinal da importância de ter um guia. Se você acha que não vai conseguir terminar a trilha no tempo determinado (normalmente 3horas de subida, 1 lá em cima e 2 de descida), não insista! É importante acompanhar o grupo, para não atrasar o ônibus e a volta de todos para a cidade. Ou, pior, acabar passando mal ou perdendo o transporte. Respeite suas necessidades e o seu corpo! O guia, nesses casos, está acostumado a observar os sinais de fadiga e do mal de altitude nos turistas e vai te ajudar quando achar que você puder continuar e te mandar de volta quando achar que vai ser ruim para você.

A chegada na Laguna 69. #ViagemAcessível: A imagem mostra em primeiro plano uma placa vermelha, com os dizeres “Lag. 69 4604 m.s.n.m.”. Abaixo, uma placa maior, com desenhos indicando para não acampar, não nadar, não fazer fogueiras e não deixar lixo, com os dizeres “La naturaleza es fuente de vida ¡CUIDALA!” [a natureza é fonte de vida, cuide dela]. Ao fundo, é possível ver um penhasco e a água azul clara da Laguna.

O terceiro é algo que o meu guia enfatizou muito, mas que muita gente não dá atenção, que é a proibição de tocar na água da Laguna. Não sei se a regra é nova ou se os guardas do parque fazem vista grossa, mas vi muita gente falando que tinha posto os pés ou as mãos nas águas da Laguna 69. Acontece que a pigmentação da água se dá por alguma reação química e, com o aumento do turismo no Peru e, consequentemente, do fluxo de pessoas na Laguna, que adoram tocar na água que parece de mentira, os sais do corpo humano estão interferindo nessa reação e a Laguna corre risco de perder sua coloração característica.

Outro ponto importante é lembrar de perguntar para a agência antes de fechar o passeio os tipos de pessoas para os quais ele é contra indicado e ver se você não se encaixa nessas categorias. Quando eu e meus amigos fechamos não lembramos de perguntar isso e só quando chegamos na laguna que o guia fez uma lista de condições de saúde com as quais não era indicado fazer o trajeto. Entre eles estavam pessoas com problemas cardíacos, epilepsia e mulheres grávidas, mas a lista era bem extensa, então vale perguntar.

Por último, deixo um compilado de dicas que o nosso guia deu para a gente ao longo da subida que ajudaram muito. A primeira é não parar toda hora e, mais importante, não sentar quando parar. Isso tem alguma coisa a ver com a circulação sanguínea quando o corpo está em movimento, que eu não entendi muito bem, mas vi que ajuda muito. O ideal é limitar as paradas a até 2 minutos.

A segunda dica é bem óbvia, mas de extrema importância: bebam muita água. A água é um santo remédio para o sorochi — também conhecido como mal de altitude — , porque auxilia na circulação do sangue. Também é importante por ser uma trilha longuinha, que faz a gente suar bastante, de modo que é bom beber água para não correr risco de desidratar.

Por fim, uma forma de subir mais rápido é não parar para tirar fotos. Suba apreciando a vista, sem parar muito, e aproveite a volta, que a maioria das pessoas acha bem mais tranquila, para tirar todas as fotos. Para isso, também é bom começar a voltar um pouco antes do tempo indicado, para tirar as fotos com calma.

Eu sei que, lendo tudo isso, parece que a trilha é um grandessíssimo perrengue e que, talvez não valha a pena, já que não é garantido que você vai chegar lá em cima e ver a famosa Laguna 69 de perto… mas, se as imagens da trilha que estão espalhadas pelo post não são suficientes para convencê-los de tentar, deixo vocês com uma panorâmica da Laguna, para que tirem suas próprias conclusões, lembrando que raramente a foto faz jus à real beleza de uma paisagem.

Uma panorâmica da Laguna 69, um dos lugares mais bonitos que eu já visitei. Eu juro que a água é mesmo dessa cor! #ViagemAcessível: a imagem mostra as águas azuis claras da Laguna e, ao fundo, as montanhas geladas e a cascata de onde originam suas águas.

As fotos desse post foram todas tiradas — menos as que eu apareço — e editadas por mim e você pode acompanhar os registros das minhas andanças pelo mundo por aqui ou pelo meu instagram.

--

--