Acordei. Mais uma vez do outro lado do mundo. Enquanto o outro lado ia dormir. Cheiros, temperos e marcas de pasta de dente estranhas, mas que já não me são por novidade.
Das que me acostumei e pelas quais me sinto tão em casa. Com o adicional da memória curta, devo dizer que mal lembro ter eu outra vida.
“E quando você vai voltar para casa?” Perguntam-me na rua.
A minha própria resposta se quer vem a me convencer. Mas, para evitar frustrações alheias, atendo a expectativa superficial da resposta. Que supostamente precisa ser quando voltarei para o país em que nasci, a julgar pela minha aparência.
A verdade é que o problema sempre esteve na pergunta. E não em mim.
Uma vez retruquei gentilmente que nunca vou voltar para casa. O sorriso no final da afirmação certamente fez tudo parecer piada. Entretanto, essa foi a única vez que respondi a minha dura verdade.
Eu nunca vou voltar para algo que não posso fugir. A minha casa sou eu. A minha mente, o meu corpo, a minha solitude, a minha liberdade.
O meu lar não depende de um imóvel, não depende de um país, não depende das pessoas que conheci. Depende se eu me sinto à vontade para tirar os sapatos. Se eu me sinto segura para ter uma boa noite de sono. Se eu me sinto pertencer. Essa é a minha casa.
Existem tantas casas por aí em que não se pode sequer dormir em paz. Eu prefiro me livrar das tralhas e carregar menos problemas, raízes, pessoas, expectativas que não minhas.
Pois não, eu não vou voltar.
Eu vou fazer casa em tantos outros lugares. Enquanto em outros vou só passar. Vou zanzar e perambular por aí. Espero que um dia os governos, as leis e os agiotas entendam que levamos a nossa casa e que ninguém pode tomá-la de nós.
Somos, queiram eles ou não, livres.
The only real prison is fear, and the only real freedom is freedom from fear. — Aung San Suu Kyi.
