Mais sobre Montevidéu

Já te contei que vivo num país lindo demais da conta?

Regiane Folter
Revista Passaporte

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Já falamos do carnaval, do verão brilhante e do inverno rigoroso, e de como essas características, tanto as culturais como as geográficas, representam como é viver no Uruguai, como é sua gente e sua história. Vivo num país que encanta por sua forma serena de ver o mundo e que, mesmo com suas carências típicas de nação latino-americana, permite que seu povo encontre razões para sorrir e continuar lutando.

Nesse segundo post quero compartilhar dois outros toques fundamentais do Uruguai, aspectos determinantes para entender o turbilhão de emoções, cores e formatos que formam Montevidéu.

O futebol

Photo by Greta Schölderle Møller on Unsplash

A primeira vez que eu vi um jogo de futebol num estádio foi aqui em Montevidéu. Não sou muito fanática do esporte, embora torça (como toda boa brasileira) em época de Copa do Mundo. Porém, no dia a dia não acompanho muito os times e campeonatos. Minha ida ao estádio Centenário foi na realidade um presente que dei a meu companheiro por seu aniversário.

Fomos ver Uruguai vs Venezuela, eliminatórias da Copa passada. Estádio lotado. Filas imensas em cada portão, homens e mulheres de todas as idades com olhos e sorrisos cheios de eletricidade. Os uruguaios são grandes fanáticos do futebol e essa experiência me ajudou a entender melhor essa paixão nacional.

Depois de entrar no estádio, seguimos correndo a multidão pelas escadarias que levam às arquibancadas. A primeira visão do campo me encheu de adrenalina. Tudo era brilhante. As fortes luzes que iluminavam o campo, o verde perfeito do gramado, o mar de pessoas vestidas com camisetas celeste que enchiam os assentos. Subimos as arquibancadas até encontrar dois lugarzinhos sortudos. Um tempinho depois já não havia mais espaço pra se sentar e até a escada estava repleta de pessoas conversando animadamente sobre os jogadores, o juiz, a narração, o tempo, o mate.

Astros como Suárez e Cavani vieram daqui e, antes de conhecer os holofotes do futebol internacional, foram aclamados e criticados por uruguaios e uruguaias que alentam seus times com uma energia impressionante. Não importa se é um campeonato local ou a Copa América: sempre que há partida, os uruguaios se juntam para torcer, jogar conversa fora e tomar uma cervejinha. O futebol é outra desculpa para estar com os amigos.

Minha experiência no Centenário foi marcante.

Quando os jogadores entraram no campo todo o estádio tremeu. Muitos gritos, muita algazarra. As pessoas se levantaram na hora do hino e era tão grande a emoção que me arrepiei. O jogo em si foi rápido. 45 minutos, pausa, 45 minutos mais. Quase não vi o tempo passar, entre os lances, os gols e a ola que deu 4 voltas no estádio até finalmente morrer.

Ainda me lembro dos gritos, das risadas, da indignação quando o juiz não cobrava o que a torcida queria. Me lembro das piadas, do ruído do mate sendo servido e das batatinhas fritas sendo mastigadas. Me lembro da exaltação do gol e do “ÓÓÓÓ” quando a bola batia na trave. Lembro das canções e do barulho de um tambor. Lembro de como tratavam a sua estrela de “Luisito”. E não é assim que é o futebol, uma espécie de família?

Fazia frio, mas quando nos levantamos para sair, o calor da vitória nos aquecia. O Uruguai ganhou a partida e a saída do estádio não rompeu com o clima de festa. Aquele momento de comunhão entre todos que estavam ali, torcedores, jogadores, técnicos e comentaristas, se terminava. Mas a emoção de haver vivido aqueles pouco mais de 90 minutos como um só coração, uma única voz e sentimento, ia perdurar até a próxima partida.

A feira

Photo by Marcela Laskoski on Unsplash

Uma das paisagens mais coloridas de Montevidéu está disponível para visita bem cedinho nas manhãs de sábado lá na rua Salto, onde acontece uma das maiores feiras da capital. Essa é a minha preferida, mas na realidade em toda a cidade e em diferentes dias da semana feiras pequenas e grandes ocorrem nos diversos bairros, enchendo as ruas de vozes, cores, cheiros e sabores.

Antes de vir pro Uruguai acho que estive numa feira de rua somente umas três vezes. E uma vez foi só pra comer pastel, nem era pra “feirar” de verdade. Quando cheguei em Montevidéu em 2014, a feira apareceu no meu caminho como uma oportunidade de comprar alimentos mais frescos e baratos que no supermercado. Montevidéu é um lugar caro, meu salário era baixo, então não dava pra desperdiçar uma boa chance de dar uma economizada. Me lembro até hoje da primeira vez que acordei cedinho num sábado e parti pra rua, sacolas recicláveis embaixo do braço, dinheiro no bolso e a determinação de entender o universo da feira.

Meu primeiro aprendizado foi que a feira montevideana é uma bagunça completamente organizada. A rua é fechada para carros e de cada lado das calçadas os feirantes se organizam com suas barracas e caixas, respeitando sempre o espaço do outro na maior paz. Algumas são barracas grandes mesmo, com estruturas de ferro e até tenda para cobrir do sol. Algumas são carrinhos tipo “food truck”, na sua versão original.

Outros feirantes, mais simples, ficam parados com suas caixas de produtos empilhadas no chão. No meio da rua, transeuntes de diferentes idades passam, comparam produtos, fazem fila e compram. As pessoas são amigáveis, dispostas a ajudar e pacientes com o vai o vem. O bom humor do feirante sempre ajuda, com sua voz possante e frases feitas a la “moça bonita não paga, mas também não leva” como a gente conhece no Brasil.

Dá até pra fazer amigos.

O senhor da barraca onde eu compro carne já sabe da onde sou e o que faço aqui, da mesma maneira como eu conheço um pouco da sua família e dos seus problemas em encontrar funcionários ajuizados. Outro senhor de outra barraca sempre elogia como estou melhorando meu espanhol.

A variedade de produtos como eu falei, é imensa. A feira de Salto começa com uma barraca de flores e logo vão surgindo as infinitas possibilidades de frutas e verduras, muitas das quais não estão nas prateleiras do supermercado. Mais pro meio da avenida estão opções de leite, queijo e outros derivados. Uma grande barraca que está sempre cheia vende de TUDO: macarrão, arroz, enlatados, produtos de limpeza, de higiene, enfim — o que você precisar, os caras têm. Depois começam a aparecer os que vendem carnes, frios, peixes, frutos do mar. Eu nunca fui até o fim da feira, mas devem existir ainda mais surpresas a desbravar.

As feiras em Montevidéu são parte do cotidiano, cada bairro tem a sua. E são tão ilustres que inclusive uma feira de domingo é cartão postal e passeio obrigatório para os turistas ou recém chegados, a famosa Feira de Tristán Narvaja.

Pequenas belezas cotidianos

Photo by Mai Rodriguez on Unsplash

É, tratei de contar nesses posts algumas das características dessa cidade que é lar para mim e para outros 1.5 milhões de pessoas. Muitos são uruguaios de carteirinha. Mas muitos outros, como eu, meu companheiro e outros tantos conhecidos, somos estrangeiros que encontramos no Uruguai um segundo lar.

Os quatro aspectos do Uruguai que resolvi compartilhar aqui estão presentes no meu cotidiano, são coisas banais e reais que talvez te ajudem a se sentir mais próximo da onde vivo e do porquê escolho estar aqui. A felicidade que encontro no paisito é diferente de outras alegrias que já vivi e, embora sinta falta da minha pátria, gosto de quem me tornei e do que construí nesse país tão ao sul do continente. Encontro paz aqui, encontro coisas que me desafiam e me inspiram. Me encontrei em Montevidéu. Que sorte essa de poder sentir que pertenço a mais de um lugar nesse mundão lindo!

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Regiane Folter
Revista Passaporte

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros