Coliseu de Roma (arquivo pessoal))

Morando em um prédio ocupado no centro de Roma

Jônatas Almeida
Revista Passaporte
Published in
4 min readApr 3, 2020

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O local é habitado por mais de 150 famílias de toda a parte do mundo

E ram exatamente 21 horas quando o trem regional em que estava chegou à capital italiana. Mesmo com o horário avançado, a estação encontra-se repleta de pessoas. Muitos, como eu, chegavam à estação, alguns esperavam a hora a partir do rumo a um novo destino, outros corriam em direção as plataformas com a passagem na mão para a última chamada. Mas, independentemente do trem de partida ou de chegada, todas aquelas pessoas levavam consigo as suas histórias de vida e as páginas que estavam prestes a escrever.

Vista da minha última morada em Roma ( arquivo pessoal)

Ao sair do terminal, caminhei com minha mala e uma mochila nas costas em direção ao metrô que me deixaria no bairro de Santa Crocce in Gerusalemme, para minha última morada no país. Devo confessar que não foi difícil chegar ao edifico, localizado na esquina de uma rua arborizada no centro de Roma. Naquela altura, meu italiano havia melhorado muito, conseguia entender e me sentia mais confiante para falar ainda mais.

Esse meu retorno à capital em pleno mês de agosto, ápice do verão e das férias, me revelou outra cidade: a Roma dos imigrantes. Durante aquela semana moraria no Spin Time Labs, prédio ocupado em que, aproximadamente, 100% dos seus moradores tinham outra nacionalidade. Essa foi a experiência mais louca e incrível que vivi. Conhecer a história daquelas pessoas mudou o meu jeito de viver e, na partida, saí com o coração apertado e transbordando de felicidade por tê-los conhecido.

Tem gente que, quando falo que morei em um prédio ocupado, não acredita, pergunta o porquê, como foi a experiência, como é estar em uma ocupação, e se é igual ao Brasil. Afirmo que o pouco tempo em que estive ali me deu uma noção das muitas lutas que essas pessoas enfrentam, diariamente, para manterem-se firmes em busca dos seus objetivos, como ter a casa própria. Para mim foi uma semana de imenso aprendizado e de crescimento humano.

Spin Time Labs ( arquivo do Facebook Spin Time Labs)

Túnel do tempo

O edifício de seis andares era administrado pelo Instituto Nazionale di Previdenza per i Dipendenti dell’Amministrazione Publica (INPDAP), porém foi abandonado durante muitos anos. Com tanta gente necessitando de uma moradia, em 12 de outubro de 2013 o Action realizou, juntamente com centenas de pessoas, o que viria a ser os futuros moradores a ocupação do prédio.

Nos primeiros dias, todas aquelas famílias tiveram que se dividir em um único andar, o térreo, até que todos os níveis estivessem em situação de uso. Foram momentos difíceis, ninguém saía nem entrava até que a situação estivesse controlada e, finalmente, pudessem dar vida àquele local.

O espaço também abriga italianos que migraram de outras regiões do país. A união é a palavra de ordem, pois só assim conseguem ter forças quando é necessário enfrentar o governo romano em busca de seus direitos.

Atualmente no edifício são realizadas diversas atividades culturais, espetáculos, eventos, laboratórios, reforço escolar e cursos, inclusive tive a oportunidade de ministrar para as crianças e adolescentes uma oficina de artes marciais, o que foi muito divertido, enriquecedor e inédito para mim.

Mix de nacionalidades

Estando em contato com pessoas de diversos países, tive a oportunidade de aprender um pouco dos costumes e tradições de cada um. Foi interessante vê que, mesmo tão longe de suas nações, eles faziam questão de manter viva as suas raízes, seja pela roupa ou pela maneira de se expressar, pois sempre havia algo que resgatava as origens. E consegui compreender isso porque chegou certo momento que senti necessidade de falar o meu idioma, o português, mesmo sabendo da importância de aproveitar o tempo para fazer tudo em italiano.

Eu sou nascido e criado na cidade de Salvador, na Bahia, local que tem a maior população negra fora da África. Para mim, que nunca tinha saído do Brasil, foi encantador encontrar naquele prédio pessoas vindas de vários países africanos e ver que, realmente, são muito parecidos com nós baianos. A alegria, o sorriso largo no rosto, o modo de falar, a vestimenta, os estilos de música e a energia para dançar, tudo me lembrava a Bahia.

Ainda no quesito aparência, os moradores do prédio ficavam surpresos pelo fato da minha fisionomia parecer muito com os árabes que residiam ali. Depois de falar diversas vezes que não tinha nenhum parente nessa região, devo confessar que cheguei a pensar que na minha árvore genealógica deve ter tido, em algum momento, um árabe.

Ao lado do meu amigo Farias ( arquivo pessoal)

Outra coisa que me chamou a atenção era a quantidade de imigrantes sul-americanos. Peruanos, colombianos e bolivianos que deixaram tudo para traz em busca de novas perspectivas de vida. Brasileiro havia apenas um e compatriota reconhece outro de longe. Morando na Itália há mais de dez anos, a vontade de ajudar, o jeito alegre e leve de levar a vida, como só nós sabemos fazer, não se perdeu com o tempo, e, dessa forma, ele vai representando positivamente o nosso Brasil.

Vê esse mix de cultura interligado por um idioma e poder fazer parte disso, mesmo por um momento, foi especial e incentivador, pois aprender o italiano abriu portas para conhecer outros mundos, outras histórias e me conectar com elas, algo que falando apenas um idioma seria privado. Por isso, se você tiver uma oportunidade de aprendizado, invista, pois no futuro valerá muito a pena.

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Jônatas Almeida
Revista Passaporte

Jornalista e escritor. Apaixonado por viagens, literatura, cinema, música e esportes. Siga-me no Instagram: https://www.instagram.com/almeida.jonatass/