Não pense, viaje

Arthur Nunes
Revista Passaporte
Published in
3 min readJun 16, 2018

Eram 4 da manha e fazia um frio que cortar os lábios. Eu estava deitado em um banco da praça com o fone de ouvido, tomando coragem para tirar as mãos do bolso para trocar de musica. Ao meu lado estava o Gabriel, meu eterno parceiro de aventuras, e um nobre cachorrinho que sentara ao nosso lado para fazer companhia. Tínhamos acabado de chegar em Uyuni, na Bolivia, depois de horas de viagem noite a dentro em um ônibus gelado e barulhento. Não tínhamos reserva em em lugar nenhum, muito menos garantido o tour de três dias pelo salar e deserto. Sei que nada disso pode parecer animador. Mas calma, ao final deste texto você vai entender como essa viagem foi uma experiencia fantástica e engrandecedora.

Bom. Logo após algumas horas geladas na praça, finalmente o sol apareceu. Assistimos o nascer na ansiedade que os primeiros raios dessem algum alento para aquela manha fria. Ao amanhecer vimos que não estávamos sozinhos. Haviam outros mochileiros jogados pelos bancos. É estranho sentir um sentimento de fraternidade mutua quando encontramos pessoas, mesmo que desconhecidas, na mesma situação. Nossos olhares se cruzaram e por um breve momento senti que os conhecia à anos. Era como encontrar velhos amigos.

Logo, recolhemos nossas coisas, nos despedimos do resto do pessoal e saímos a procura de alguma hospedagem barata que nos permitisse ao menos o raro luxo de um banho quente e uma cama para descansar. Caminhamos por toda a cidade barganhando e comparando preços, até enfim encontrar um local barato e minimamente aceitável. Comemoramos o fato de ter um chuveiro aquecido, mesmo que por apenas duas horas por dia.

Já na hora do almoço, decidimos fugir das pompas dos restaurantes turísticos e experimentar a verdadeira culinária local (na real, estávamos sem grana mesmo, mas falo isso porque parece descolado). Encontramos um pequeno restaurante escondido em uma ruela da cidade. Sentamos com as cholas, famosas mulheres bolivianas conhecidas por conservar as tradições locais, e ali comi a melhor trutta da minha vida, entre outros acompanhamentos estranhos que prefiro nem comentar.

Alimentados, caminhamos novamente pela cidade atrás de fechar um pacote de três dias pelo famoso Salar de Uyuni, entre outras locais, usando a mesma estratégia; comparar e barganhar, sempre. Real, SEMPRE. Se me permite te dar uma dica prática e valiosa é essa, BARGANHE. Pois só assim garantimos um rolê com um preço incrível.

Para fechar o dia, encontramos um escondido restaurante que servia uma deliciosa parrilla pela bagatela de 7 reais.

Você deve estar se perguntando: “Muito bom, parabéns. Deu sorte. Mas afinal, como que viajar sem nenhum planejamento pode efetivamente melhorar minha viagem?”

Sim, demos sorte. Poderia não ter acomodação. Poderia não haver mais vagas para os passeios. Poderíamos ter viajado a noite inteira para nada. Não seria nenhuma novidade, já fizemos isso em outros lugares e nada deu certo. Passamos frio, fome, quase morremos de cansaço e hipotermia.

É claro que planejamento é sempre importante e necessário, mas use com moderação.

Muitos viajam a lazer para escapar da rotina e esquecer, mesmo que por pouco tempo, as obrigações. Mas como não aprendemos a viver diferente, traçamos uma série de planos e eventos, com horários para acordar, almoçar, dormir e pontos turísticos pré-definidos para ver, fotografar e publicar no Instagram. O excesso de planejamento te prende em novas rotinas desgastantes e te priva de conhecer lugares incríveis, pessoas fantásticas e gastar bem menos do que deveria.

Há medidas simples para fugir disto, independente do seu estilo de viagem. Você não precisa dormir em um banco da praça para ter esta experiencia, mas pode simplesmente tentar trocar o ônibus turístico por um ônibus circular ou mesmo conhecer a cidade a pé. Sair do trajeto turístico habitual e ter o prazer de conhecer um charmoso café em uma rua escondida da cidade, por exemplo.

Ouse sentir, pelo menos por uma vez, a fantástica sensação de liberdade. De poder fazer o que quiser na hora que “der na telha”, sem ninguém te falando o que fazer ou apontando para onde olhar.

Se livrar das correntes da rotina, mesmo que por pouco tempo, é a melhor experiencia que você vai levar da sua viagem. Mas cuidado, vicia!

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