não se vive apenas uma vez — isso não tem nada a ver com religião

Luís de Magalhães
Revista Passaporte
Published in
3 min readOct 31, 2021
essaouira, no marrocos, em 2015

não, nós não temos apenas uma vida. e sim, você que está lendo esse texto já teve outra vida, apenas não reparou.

em dos momentos de “como eu vim parar aqui” que todos já tivemos na internet, recentemente me deparei com uma tira em quadrinhos que me fez refletir mais do que qualquer conteúdo que tenha consumido nos últimos anos.

nela, o autor apresenta de uma maneira bem simplista um conceito de que nós não vivemos apenas uma vez. na verdade, acreditar que temos apenas uma vida nos impede de arriscar e experimentar coisas novas.

a lógica é a seguinte: existe um consenso entre pesquisadores e empresas de que demoramos, em média, sete anos para aprender e ficarmos realmente bom em algum tipo de habilidade. durante o período que estamos vivos, temos diversos ciclos de sete anos em que podemos começar a fazer, ou apenas a priorizar, algo novo que nunca fizemos. assim, começarmos outra vida. dentro dessa lógica, se vivêssemos até os 90 anos, teríamos 12 vidas diferentes durante nosso tempo de existência na terra.

embora eu não concorde 100% com essa visão binária do autor da tirinha, ler isso me fez refletir muito.

obviamente, a vida não é uma ciência exata. nem sempre vamos conseguir dominar uma habilidade, ou sequer aprender algo novo em um período de sete anos. cada pessoa é diferente, assim como são diferentes seus problemas.

mas o que realmente me pegou nessa linha de pensamento foi entender a vida em ciclos. na verdade, a linha de pensamento seria entender os ciclos como vidas, com início, meio e fim.

um exemplo fácil para exemplificar esse argumento é a faculdade. esse ciclo de quatro, cinco ou seis anos nasce logo depois que outro morre. quando entramos na universidade, sentimos um pouco de luto pela época que morávamos com os pais, dos amigos da escola, da vida passada. mas logo esse luto passa, porque renascemos na faculdade, com pessoas novas, prioridades novas, o começo da vida adulta e suas responsabilidades.

alguns anos depois, a vida universitária morre e renascemos na vida profissional. o luto é grande, mas inadiável.

mas nem só de grandes vidas bem-sucedidas é feita nossa existência, e aí é que está a beleza disso. tudo bem se as coisas não derem certo, podemos começar outra vida, com a experiência de ter falhado na anterior.

dentro das minhas vidas, o Luís já fui jornalista de tv e morreu. foi mochileiro, morreu. blogueiro de viagem, e também não sobreviveu. fez trabalho voluntário pelo mundo, mas também morreu.

morrer não significa ter falhado, mas apenas que um ciclo acabou. embora ter viajado o mundo fazendo trabalho voluntário tenha me ensinado muito mais sobre a vida do que qualquer faculdade, esse capítulo precisava acabar para que outro pudesse começar.

cada projeto que iniciamos tem começo, meio e fim. e se tem algo que aprendi nessa vida é que quanto antes aceitarmos isso, melhor. tentar reviver uma vida passada é exaustivo e frustrante.

isso implica diretamente nas pessoas ao seu redor. quando você deixa uma vida no passado, com ela ficam certas pessoas que, para a vida nova que está prestes a começar, talvez não tenha espaço. é aquela coisa de tentar forçar a amizade. aquele reencontro constrangedor com a turma da escola depois de 15 anos.

acho que o que eu quero dizer nessa reflexão que ninguém vai ler é que temos que parar de nos apegar ao conceito de termos apenas uma vida. se permita morrer e renascer várias vezes. se você falhar, ao invés de tentar reanimar algo que já morreu, aproveite sua nova vida.

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