Na crista da onda, na vaza da maré — Açores 2019

Nadja Velez 🍃
Revista Passaporte
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3 min readJul 22, 2019
Portinhos de Urzelina, Ilha São Jorge, Açores

Sentada num calhau nos Portinhos, admiro o mar que lava as rochas vulcânicas sem se cansar. Estamos a meio de Julho, mas no meio do Atlântico a tempestade chega quando o oceano assim decide. De manhã fazia um dia de sol risonho, mas esta tarde é na aconchegante claridade de um dia de nevoeiro que me sento beira-mar. Lá no alto, as nuvens acariciam os cumes de São Jorge. Para mim, esse nevoeiro é a assinatura de mistério carinhoso dos Açores.

Estou sozinha à excepção de duas raparigas distantes que se abrigam atrás de um muro. Não se apercebem que estou aqui — quem estaria no calhau num dia como hoje? Os poucos turistas que visitam a ilha preferem guardar os seus banhos para um dia de sol que com certeza chegará em breve. O jacúzi agitado de caravelas portuguesas não é convidativo, mesmo que o azul-turquesa e profundo nos convide a sede quando espreita entre as espumas brancas.

Que paixão sinto por este mar. É uma alegria no peito, uma atracção inexplicável. Tanto no repouso entre rochas como na apneia entre os peixes, é aqui que quero estar. No silêncio, em contemplação, existo. Não faço muito mais que isso. Sentada, de pé ou a escalar a pedra, escuto e observo a maravilha natural que me rodeia. Este mar é o meu sítio feliz.

Parto à descoberta das grutas marinhas que o mar esculpiu. Já as visitei num barquinho de um amigo, hoje descubro o seu esplendor através dos tectos que abateram e revelam a sinfonia de baixos que o azul esbranquiçado canta. Mete respeito caminhar sobre o mar agitado, mas talvez seja essa mesma humildade que a minha alma procura encontrar.

Gruta marinha de Urzelina (Intact Bungalows)

Mais ao largo poderão nadar cachalotes e mantas, rodeados de golfinhos e cagarros. Também eles apreciam as condições especiais que o arquipélago confere, seguindo o plâncton e o peixe que engorda e sobe em direcção à Islândia com a chegada do calor de primavera e verão.
São eles que aguçam a imaginação dos jovens de todas as idades que deparados com paisagens de crua natureza não contêm o queixo que descai em êxtase de estar ali presente.

Para um local, o Pico que se ergue à distância é um velho amigo. Para os que sem ele cresceram é uma lembrança constante do mistério que o planeta tem para oferecer se nos atrevermos a conhecer.

Em outros tempos, chegaram aqui os marinheiros de terras lusitanas, que a caminho do fim do mundo se terão deparado com o paraíso. Nele construíram família, prioritizando as culturas de vinho (“que não falte o vinho!” diz o bom português) e outras plantações de subsistência. É para mim extraordinário que este tesouro natural, que outrora foi um centro importante para a entrada de riqueza na Europa, seja ainda hoje um segredo passado de boca em boca ou com a partilha presencial de uma fotografia na galeria de um telefone. A mensagem é unânime — uma fotografia não faz justiça à beleza dos Açores.

Hoje os veleiros não navegam, abrigam-se em vez na baía da Horta do Faial. Quem neles viaja partilha a paixão pelo azul e no bar do Peters senta-se com uma cerveja e uma história de uma travessia atlântica para contar. Para eles, é esta viagem o seu destino, e no cimento do porto irá carimbar a sua assinatura, “aqui cheguei, vindo de longe e para longe partindo”.

Como eles, caminho em direcção à esplanada de uma tasca no porto de Urzelina. Lá esperam-me as histórias de novos amigos, chegados das Bermudas, seduzidos por esse mar de vida que banha as ilhas. Entre cervejas, contam-me as suas aventuras de 60 metros em apneia, encontros extraordinários com tubarões, viagens ao círculo subantárctico e os seus pinguins fedorentos mas carismáticos da Geórgia do Sul.

Chegada a noite e caminhando em direcção a casa, lembro a pergunta que todos me fazem: “Nadja, porquê os Açores?”
Sorrio por dentro, pois a minha resposta mantem-se: “É todo esse mar de vida”.

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Nadja Velez 🍃
Revista Passaporte

Weird earthling ~ marine biologist ~ ocean ambassador. Just another planet mystery.