Notas curitibanas

não são as fiscais — 2/2

Samara Lima
Revista Passaporte
3 min readAug 30, 2020

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O lado incrível de uma nova cidade é que todo dia é possível estar onde nunca se esteve antes.

E com o norte bagunçado me perco se quero chegar, e, se permito me perder, encontro os poucos caminhos que sei: ser morador-turista, quiçá o inverso da intenção.

Nessas descobertas fluidas me atenho à banalidade que a urbe oferece, como o toque de um raro telefone público no momento em que eu me aproximava; não atendi.

Certa vez, andando pelo Largo da Ordem, um dos lugares mais frequentados de Curitiba, após papo com hippies-artesãos, vi uma mulher vestida de noiva, e, os passantes e o fotógrafo, registrando aquele momento. Eu nao reparei se havia par: talvez tenha sido engolido pela multidão do horário comercial.

arquivo pessoal [2018]

Estar em um nova cidade nos permites outros ângulos, outras primeiras vezes, perceber o que ali falta de acordo com as referências que temos.

Existe um estranhamento sobre os hábitos daquele lugar por antes não se ter visto nada parecido e, a partir daí, sempre que uma situação se repete, entra-se em um looping julgador: na minha cidade isso não aconteceria.

É assim que se descobre a cidade que carregamos no peito, como Veneza para mercador Marco Polo quando descrevia outras cidades para Kublai Khan¹; ou seja, aquela que usamos como parâmetro para saber se este ou aquele lugar é mais interessante.

Em Curitiba as pessoas têm o costume de ficar dentro dos carros, e por várias vezes eu me assustei ao passar por um carro e perceber alguém dentro, achava suspeito. Depois refleti sobre o frio que fazia conclui que se fosse eu também permaneceria do lado de dentro, aquecida.

Porém na minha cidade isso não é sensato, é como pedir: me sequestrem.

Também por conta do frio andam com toucas e casacos de capuz, o que pode parecer um pouco suspeito; receosa, me precipitei por vezes, imaginando o que poderia acontecer a partir dali, antes de lembrar que era um frio style.

Na minha cidade não tem vina, nem béra, nem chineque, e nem tesão nas palavras ditas. Nem mesmo hot-dog doce.

Outra coisa que achei peculiar foi a ausência de carros equipados com alto-falante oferecendo algo; não passa carro do ovo, nem da pamonha, da fruta ou mesmo do gás — demorei para perceber que o gás de casa, que inclusive durava há muito, vinha do próprio condomínio, felizmente rs.

Contudo, em Curitiba passa o carro do sonho recheado.

Alô freguesia, é o carro do sonho que está passando.

Sonhos de qualidade, ressoava pelo alto-falante. No bairro em que eu morava passava todos os sábados, no meio da tarde.

Sonhos de nata, sonhos de creme, chocolate, doce de leite e goiaba, oô sonho, freguesia!

Certa vez, fui atrás desses sonhos.
Era como despedida da cidade que eu deixaria em breve.

arquivo pessoal [2018]

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Samara Lima
Revista Passaporte

viagem, café, cinema, paisagem. aqui, pouco ou nada disso.