Gabi Kopko
Revista Passaporte
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3 min readMar 9, 2018

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Cadê o CID? Cadê todo o resto? É isso que vou apresentar? Quem vai acreditar?

O que há de errado com Portugal?

Garganta fechada, muita dor de ouvido e eu tentando não me ausentar no primeiro mês de trabalho. O inverno é uma novidade, não para eles, na verdade. É uma novidade para os brasilienses aqui que nunca passaram mais de umas semanas num friozinho tímido em algum lugar. Já se vão 5 meses de temperaturas baixas ( Sim, eu sei que nem são tão baixas assim como no Canadá), mas um tanto difíceis para nós, nascidos e criados no Planalto Central.

Liguei para o número disponibilizado para atender pessoas com gripe pelo governo e tive toda a atenção no atendimento. A ideia é não correr ao posto ou hospital sem uma real necessidade para não ficar pior ainda em uma estação onde algumas doenças são muito comuns. Todo mundo que está inscrito no posto pode usar a linha que é viável para esse país menorzinho, mas com uma quantidade enorme de gente em idade avançada.

Acordei na manhã seguinte e ainda sentia bastante dor sem conseguir comer nada. Remédio e estômago vazio não combinam então era melhor tentar uma consulta para o dia no postinho perto de casa.

Fiz a ficha e na hora de pagar vi que a carteira não estava na bolsa. As consultas custam quase 5 euros no Sistema Público de Saúde que funciona no modelo que estamos aplicando no Brasil de médico de família.

“ Droga! Esqueci a carteira! Tem como ir em casa buscar para pagar?”

“ Não precisa, menina! Você volta depois e paga.”

Consulta feita e uma amidalite detectada. O médico passa os remédios e no final do atendimento, pergunto:

“ Tem como eu levar um atestado para o meu trabalho?”

O médico imprime o documento que vem escrito apenas uma frase.

“Gabrielle sobrenomes está doente”.

Outro dia fui a papelaria para ver algo que precisava comprar para o meu filho. Aproveitei que passava perto do lugar. Olhei, perguntei o valor e disse que voltava depois para comprar. A senhora muito simpática ( Que não foi simpática na primeira vez que fomos até lá, mas isso eu conto depois) me entregou o item e disse para voltar depois para pagar.

Meu filho ficou chocado e disse que “era assim que gostava” e que, como a senhora disse, precisávamos acreditar nas pessoas.

Ainda fico assustada com essa confiança que esses estranhos depositam em mim e também me sinto, de alguma forma, abençoada por poder mostrar aos meus filhos que “ todo mundo pode ser honesto até que se prove o contrário”.

A cidade é grande, independente, forte, está tão perto de Lisboa e eu sinto que estou no interior. Que a senhora da vendinha, que me viu crescer, vai deixar eu levar o pacote de açúcar que a mãe pediu já que sabe que a mãe sempre paga o que pega na vendinha.

Viver as margens do Tejo não tem sido fácil, mas consigo reconhecer certas vantagens.

Estamos tão acostumados com a picaretagem no nosso cotidiano que tenho um desejo imenso de entrevistar essas pessoas todas que nos mostram confiança cá para entender sua vida e o que há de errado com elas que ainda acreditam na humanidade.

Doutor, cadê o CID no meu atestado?

Tem alguma coisa errada com Portugal.

E eu simplesmente adoro poder ser surpreendida com isso.

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