O realismo mágico do povoado que recusou a eletricidade para não perder as estrelas

otiagoaraujo
Revista Passaporte
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3 min readJul 28, 2021

Praias de areia branca, águas transparentes, dunas de 20 metros, formações rochosas com lobos marinhos, atardeceres coloridos, casas sem energia elétrica, um espetacular céu estrelado e o extasiante fenômeno das noctilucas. São muitas as razões que tornam Cabo Polonio um destino tão singular no Uruguai.

Foto: Zácari Fagundez Instagram: @documentando.uy

Não se vê um palmo à frente do nariz numa noite de outono no balneário de aproximadamente 100 habitantes, localizado pertinho da fronteira com o estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Mas basta olhar para cima e se dar conta do espetáculo que se perderia caso houvesse mais iluminação.

Foto: Zácari Fagundez Instagram: @documentando.uy

As casas, ranchos e hospedarias do povoado contam com geradores de energia eólica e solar, mas não há iluminação pública no vilarejo central, habitado por pescadores, artesãos, comerciantes, funcionários e donos de pousadas.

Um típico rancho de Cabo Polonio.

O povoado só pode ser acessado por caminhões 4x4 ou numa caminhada de duas horas desde Valizas, e foi transformado em parque nacional em 2009. A medida contribuiu com a aplicação de políticas e planos de proteção ambiental, preservando as características do balneário.

Caminhões que levam os turistas e moradores da entrada do parque ao vilarejo. Foto: Zácari Fagundez Instagram: @documentando.uy

Patrimônio cultural uruguaio, Cabo Polonio e seu entorno foram ocupados por sociedades pré-históricas há aproximadamente 11.000 anos. Numa caminhada pelas praias depois de uma tempesdade, olhos treinados podem encontrar vestígios dessas civilizações, ossos de megafauna ou ainda restos de embarcações trazidos pelas ondas do mar.

Nessa costa turbulenta, antigos navegantes relataram que as bússolas se perdiam e giravam sem rumo, como se estivessem endemoniadas, desorientando as embarcações e ocasionando inúmeros naufrágios. Um deles, do galeão Polonio em 1735, deu origem ao nome que batiza a área, que ganhou um farol em 1881.

Ao lado do farol de 15 metros, se pode avistar as famílias de lobos e leões marinhos que descansam nas rochas e ilhotas vizinhas. Nessa área também se pode avistar baleias, tubarões, golfinhos, tartarugas e até pinguins, que se perdem das correntes marítimas e vêm parar nessa parte da costa.

As dunas de até 20 metros estão ao lado das praias de águas transparentes, que despertam o interesse de banhistas e surfistas na primavera e verão. Mas de todos esses atrativos, o mais raro e impressionante são as noctilucas e sua uma brilhante dança silenciosa no mar.

Foto: Zácari Fagundez/ Instagram: @documentando.uy

As mantas de cor fluorescente que deságuam na praia são organismos unicelulares de aproximadamente um milímetro. Eles são bioluminescentes, emitindo brilho como resultado de uma reação bioquímica e atingem seu esplendor nas noites de transição entre o verão e o outono, gerando um espetáculo de tirar o fôlego.

Por essas e outras características especiais, Cabo Polonio é meu lugar preferido no paisito. Tem seu próprio ritmo de vida, um magnetismo próprio, uma magia única. Um lugar que parece deslocado no espaço-tempo. Há uma canção imortalizada pelo humorístico Tiranos Temblados que entoa “Uruguai es el mejor país”. Para mim, e para muita gente que conheço, esse é o melhor lugar do melhor país.

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