O seu intercâmbio é quem você é
E eu tenho uma má notícia: não é fácil fugir da rotina de ser você mesmo.
Esta é uma versão editada de um texto escrito em outubro de 2013 e publicado originalmente na página GoCan, que foi um diário do meu intercâmbio.
Há não muito tempo eu estava tão satisfeito com o que eu tinha no Brasil que fazer um intercâmbio parecia muito mais uma dor de cabeça do que uma ideia emocionante. Só que tudo mudou, ou nada mudou e eu mudei, até que resolvi largar tudo pra passar um ano no Canadá. Acho que essa história vocês já conhecem.
Mas e aí, vale a pena?
Depende. Se você tem as caras de largar sua vida e ir se embrenhar em algum canto onde você nunca esteve antes, já é um bom começo. Mas se você vai viver a melhor ou a pior fase da sua vida, não tem como prever. O discurso vai muito além do “não seja pessimista” ou de “veja sempre o lado bom das coisas”. Tem mais a ver com estar aberto ao que acontecerá dali em diante e descobrir o que você quer tirar dessas experiências.
Tem gente que viajará muito e conhecerá todos os pontos da cidade; tem gente que reorganizará a vida e encontrará mais que depressa uma nova rotina a seguir; tem quem conhecerá mil pessoas e construirá laços fortíssimos; há quem irá passar mais tempo sozinho e focará no crescimento pessoal; e há também quem voltará quase a mesma pessoa, talvez com novas histórias pra contar aos velhos amigos.
Não importa (embora sim influencie) os fatores externos do intercâmbio que a pessoa fará: sozinha, acompanhada, com amigos, namorado(a) ou família, por seis meses, por um ano ou pra sempre, a estudos, a trabalho, ou “pra ver no quê que dá” (meu caso). Em todos os contextos, o que importa é quem você é e o que você quer.
Conheci gente aqui no Canadá que não gostou do país. Gente que entrou em depressão por estar sozinha demais. Gente que esperava mais. Gente que só não voltou pra casa ainda porque o pacote já tá pago. E o que eu percebi é que a mentalidade do indivíduo afeta mais a experiência dele do que o próprio país.
É preciso estar aberto. Se você chegou até ali, precisa estar aberto inclusive para as coisas ruins. O que eu vou dizer agora pode ser um pouco controverso: até mesmo a tristeza é um bom motivo pra estar num intercâmbio. A tristeza é bonita, seu impacto muda nossas vidas e na melhor das hipóteses vira arte.
Uma menina que conheci aqui me disse que a vida é como o cardiograma em um monitor de hospital: os altos e baixos significam que o paciente tá vivo, se eles pararem quer dizer que a vida acabou. E agora, uma de minha autoria: fazer intercâmbio é aquele susto que você leva quando está gangorrando na cadeira e acha que vai cair. O coração dá um salto e seu corpo libera adrenalina, o que te faz se sentir imediatamente mais vivo. Você pode se reequilibrar por pouco e rir, ou pode se espatifar no chão e chorar, mas esse susto raramente mata.
Mas também não é sempre igual à metáfora da cadeira. Durante um intercâmbio a gente espera que todos os dias sejam incríveis. Ando pensando muito nisso. Só que os dias ficam comuns, principalmente depois que você se estabelece no local. Tão comuns que tem horas que esqueço que estou em outro país e que há menos de três meses eu tinha absolutamente outra vida. Por um lado os dias comuns são até aliviantes no turbilhão de coisas diferentes acontecendo. No entanto, a gente espera que coisas incríveis aconteçam o tempo todo.
Notei que quem tem preguiça de fazer coisas diferentes no seu país tem tendência a se acomodar no novo país também. É inacreditável como é possível mudar quase tudo na vida de uma pessoa e, se ela quiser, ainda manter os mesmos hábitos e costumes. Assistir televisão depois de um longo de dia de trabalho/estudo sempre parecerá mais fácil do que ir bater papo num restaurante esquisito com aquele colega que você mal conhece. Precisamos lembrar daquela frase famosa que diz que “se você fizer o que sempre fez, terá o que sempre teve”. Mas de onde tirar ânimo pra quebrar a inércia diariamente? Ainda mais depois que você gastou toda sua energia saindo do comodismo da terra natal.
Meu conselho é lutar para manter o encantamento. Olhar o que acontece à sua volta com curiosidade e ter interesse pelo lugar novo faz com que as coisas pareçam melhores do que são. Fingir que todo dia é igual ao primeiro. Mas não é fácil. Depois de alguns meses no lugar, imerso dentro de uma nova rotina e já acomodado no que de início era um lugar inóspito, fica cada vez mais difícil ter ânimo (ou tempo) pra fazer turismo, ir a novos restaurantes, conhecer pessoas, etc.
De vez em quando eu me vejo um dia inteiro trancado em casa, como se estivesse no Brasil. E olha que nem estou aqui a tanto tempo. Foi então que estabeleci a meta de fazer uma coisa nova por dia, para aproveitar o máximo que puder do ano que vou passar aqui. E tem dado certo. Essa decisão é resultado do que eu quero tirar do intercâmbio versus quem eu sou enquanto pessoa.
Eu vim tão sem expectativas que é até difícil de acreditar. Foi rápido, foi inesperado e quando vi já estava aqui. Talvez por isso cheguei tão disposto a descobrir tudo e não tive muito espaço pra me decepcionar. O que acontece de bom e o que acontece de ruim ocupam espaços iguais nessa aventura. É claro que isso não elimina os dias de frustração, mas na minha mente os justifica. Tenho certeza que cada pessoa encontrará uma solução diferente para contornar os lows do intercâmbio. Essa sempre será uma resposta pessoal e que envolve inúmeros fatores — também pessoais.
Esse é o ponto onde quero chegar: o que define seu intercâmbio não é o país, não é a cultura, não são as pessoas, não é nada alheio a você. Seu intercâmbio é apenas reflexo de quem você é e principalmente de como você lida com isso.
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