Onde os Backstreet Boys encontram a Irlanda

Maria Eduarda Ferraz
Revista Passaporte
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4 min readJun 12, 2018
Poster oldschool de Guiness. Fonte: Pinterest.

Descobri esses dias que os Backstreet Boys voltaram. É bem verdade que peguei um pouco do período em que o grupo, formado por Nick, AJ, Howie, Brian e Kevin esteve no auge, mas, mesmo cantando muito hits como As long as you love me, usando um tubo de pasta de dente que em minha imaginação era um microfone, nunca fui uma fã, porque passei aquele tempo da infância ouvindo outras cositas más. A questão é que, de um dia para o outro, a banda se transformou em algo com uma carga de importância extensa para mim e vou lhes dizer a razão.

Numa quarta-feira que, diga-se de passagem, não prometia nada de especial a ninguém, eu e mais 4 amigos decidimos pegar o fim de um happy hour em um bar irlandês, situado em Granville Street, no centro de Vancouver. Muito por acaso, estávamos passando em frente, vimos a placa exposta de forma convidativa na calçada, e resolvemos entrar.

Éramos, provavelmente, em meio as gargalhadas vindas dos amigos na mesa de sinuca, das madeixas ruivas do atendente e do músico da noite e das enormes canecas de cerveja, os únicos latinos do recinto, e tínhamos o propósito de aproveitar, mesmo que brevemente, em um dia útil.

Começamos pedindo a Guiness, bebida que estava sendo ofertada pela casa na metade do preço até às seis da tarde. Logo em seguida, buscamos no balcão de madeira os dardos para jogar ao alvo, que dividia o espaço da parede com uma coleção de camisas de time, algumas delas autografadas pelos atletas.

Sinceramente, e digo com toda a verdade e de acordo com as minhas próprias memórias, o meu plano de pessoa que mal bebe álcool era meramente provar da cerveja, mundialmente famosa, e partir para uma outra coisa, mas o pêndulo do relógio foi batendo e ninguém parecia se importar, nem mesmo eu.

O músico sentou-se frente a lareira e tocou as primeiras notas de um som que não conhecíamos. Mas aí cantou Bon Iver e eu tive que ficar. De repente éramos as pessoas mais animadas de todo o pub. Batíamos palmas ao fim das músicas, dávamos singelos gritinhos quando nos empolgávamos e até cantávamos alto, e junto, as canções que sabíamos. Naquela altura, já éramos amigos de infância dele também, que não sabia cantar nada na língua portuguesa, mas que fez questão de comentar que é a única língua em que sua palavra preferida existe: saudade.

Ah, saudade…

Um de meus companheiros de aventura que, penso eu, me mataria se mencionasse o seu nome neste buraco sem fim, que é a internet, estava pra lá de sua terceira (?) taça de vinho e resolveu nos dizer que não aguentava mais ouvir músicas que não conhecia e desejava cantar também. Ri de seu sofrimento de bêbado, até que, baixinho, com um pouco de noção que pessoas alcoolizadas, em geral, não têm, disse assim:

Será que ele sabe cantar Backstreet Boys?

Gargalhamos.

Sinceramente eu achei que pararia por aí, mas daí virou-se para ele, colocou a mão em formato de microfone — imediatamente lembrei de mim mesma quando criança, em frente ao espelho dos meus pais— e soltou:

You are my fire. The one desire.

(Em português: você é o meu fogo. Meu único desejo).

Acho que nunca ri tanto em toda a minha vida. Acho que meus companheiros nunca riram tanto em suas vidas e, talvez, nem mesmo nosso amigo irlandês. Uma declaração de amor genuína! Amor por Backstreet Boys. O ser incrível que nos fez ganhar a noite, colocou as mãos no rosto, em sinal de vergonha, quando o fizemos lembrar do significado do trecho em questão e, de repente, aos seus olhos, o pedido se transformou em uma serenata.

Meu Deus do céu, vamos embora!

Não fomos.

O que era pra durar uma hora nos fez voltar para casa às onze e aquela noite, que aconteceu despretensiosamente, virou nossa piada preferida de toda a viagem. Quando mais tarde, em outras aventuras dirigidas por nós mesmos, conhecíamos pessoas novas, sempre voltávamos a contá-la. E todo mundo ria, porque a vida, às vezes, é séria demais e a gente precisa de momentos tolos para lembrar por aqui e por ali. Me orgulho muito das histórias que tenho para contar.

São esses pequenos detalhes que me fazem feliz em um dia. Sou eu chegando ao fim dele e rindo, sentada em minha cama, enquanto repasso as frases em minha cabeça. Eu amo bobagens e, em muitos casos, as bobagens fazem toda a diferença.

Agora, pensando bem, este texto não é sobre Backstreet Boys ter se tornado importante para mim, muito menos sobre a relação entre eles e a Irlanda, se é que ela existe. Ele é, na verdade, sobre a capacidade que as pessoas têm de fazerem o seu dia ok se transformar em um dia lendário. É sobre esse poder que as pessoas certas têm. É um agradecimento. Um grande obrigada a quem estava comigo naquele dia e em outros dias que foram e que virão, porque, para além dos lugares incríveis que andamos quando estamos com a cara e a coragem por aí, são esses momentos de nossa jornada que fazem a viagem algo ainda mais extraordinário.

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Maria Eduarda Ferraz
Revista Passaporte

Jornalista que, em breve, terá escrito uma biografia melhor.