Personagens de viagem: Benedict Lopez
Ele me disse que foi um grande astro de futebol. O principal nome do futebol de seu país. Que todas as pessoas ainda se lembravam do nome dele e de tudo o que tinha feito pelo esporte dentro e fora de campo.
Caye Calker, Belize. Ele chegava durante o café da manhã e convidava todos para fazer passeios de barco, para pescar. Ele ajudaria. Tinha o barco e todos os apetrechos necessários para pesca marítima e ensinaria a usá-los, claro. Pele escura, cabelos compridos, poderia ser um personagem jamaicano em um filme americano qualquer. Sempre com o fiel escudeiro, um cachorro de pelos claros com jeito bonachão, mas grande o suficiente para que eu tivesse medo de ser derrubada quando pulava. Sorria, brincava com todos. Para os homens, não sei muito bem o que dizia. Para as mulheres, sempre apresentava uma de nós como sua atual noiva, mas dizia que poderia se separar dela por causa de alguma outra de nós. Uma figura memorável, sem dúvida.
Brasileiro no exterior geralmente é bem recebido. As pessoas têm muita curiosidade sobre tudo o que escutam falar do Brasil. E, invariavelmente, o assunto acaba fluindo para futebol. Alguém lembra do Rivaldo, do Romário. De algum ou de ambos os Ronaldos. Seleção da Copa de 1982. Neymar. Às vezes Kaká ou Zico. Pelé sempre. E recentemente, sempre com uma espécie de pesar ou delicadeza para tocar no assunto, o 7 x 1, claro.
Foi assim que, em uma tarde de muito calor em Caye Calker, ilha vizinha de San Pedro, La Isla Bonita da música da Madonna, eu tentava me recuperar de muita caminhada embaixo de todo aquele sol refestelada em uma rede. Foi quando ele descobriu que eu era brasileira. Depois da conversa introdutória futebolística de sempre, começou a me dizer que o futebol era muito fraco em Belize. Que nem todos conheceriam todos os jogadores brasileiros como ele conhecia. Contou que jogou e que tentou fazer uma liga de verdade, para ter um campeonato nacional de verdade. Que não deu certo por causa dos dirigentes (sempre eles!). Que era o único jogador de sua época que tinha jogado fora do país. Que seu nome era sempre lembrado quando se falava no futebol de Belize.
Não contou nada disso com mágoa ou com pesar. Talvez com um pouco de irritação por causa dos dirigentes que atrapalharam seus planos. Mas atire a primeira pedra quem nunca falou mal de dirigente de futebol.
A sequência da conversa lotada de recordações passou por um mea culpa: contou sobre a filha. E foi o momento em que eu senti o pesar, a mágoa, o arrependimento e a saudade. Não via a filha há muito tempo. A separação da mãe da menina não foi amigável, ela levou a criança embora e ele nem sabia para onde. Era uma menina, agora tinha vinte e poucos ou quase vinte anos. Recentemente tinham retomado o contato. Com que orgulho me contou que a filha tinha dito que sempre quis falar com ele de novo! O brilho nos olhos se renovou quando me contou que ela disse que queria voltar a Belize! Que queria vê-lo! Tenho certeza que, mesmo se tivesse feito os mil gols de Pelé, naquele momento não haveria tanta alegria naquele olhar e naquela voz.
No dia seguinte, me despedi de Caye Calker. Lembro sempre dessa conversa. E toda vez torço muito para que o Benedict, com seus arrependimentos, sentimentos contraditórios e lembranças orgulhosas de um passado talvez nem tão remoto, tenha reencontrado a filha. E que esteja muito feliz.
Curiosidades sobre Benedict Lopez (em inglês):
- Desde 2006 ele se autoproclama uma das grandes estrelas do futebol de Belize: http://www.islands.com/last-lost-islands-caribbean
- Já foi testemunha em um caso de feminicídio: http://7newsbelize.com/sstory.php?nid=25768
- Seu nome não consta na Wikipédia, mas consta sim na página do Facebook denominada Hall da Fama do Futebol de Belize: https://www.facebook.com/HallofFameBelize/posts/244206215930813
- Sobre os problemas da liga profissional do futebol de Belize, com citação da ex-jovem estrela do meio campo Benedict Lopez: http://amandala.com.bz/news/talking-football-part-2/
