Personagens de viagem: O professor

Roseane
Revista Passaporte
Published in
3 min readOct 28, 2016

Eu não gostei muito de Playa del Carmen, no México. Talvez por ter criado uma expectativa pelas histórias que me contaram. É um lugar para ver e ser visto, e o fato de ter um calçadão chamado 5ª Avenida me fez entender muita coisa. Outro fator para meu desagrado, com certeza, é que estive lá na época do Spring Break americano e todas aquelas cenas de jovens enlouquecidos e/ou bêbados de filmes se tornaram uma realidade assustadora. Mas preciso admitir que o lugar é frequentado por pessoas lindíssimas. E que, se tem um lugar em que você pode sair para tomar um sorvete perto das 23h, é Playa del Carmen. Pois foi o que me aconteceu.

Quase 23h, eu cansada, meio sem fazer nada, bateu uma vontade imensa de tomar um sorvete. Caminhei as três quadras que me separavam da 5ª Avenida e enquanto me deliciava saciando o desejo repentino, uma menina de um grupo de Spring Breakers caiu bêbada na minha frente, literalmente. Uma pessoa estava ao meu lado, nos assustamos e começamos a conversar. Era o professor.

Professor universitário, estava lá para um congresso. Especializado em estudos indígenas da América Central, grande conhecedor de tradições e processos de inserção e valorização dos costumes indígenas. Também grande observador. E interessado na imagem apresentada para a sociedade dos objetos de seus estudos. E nos ideais propagados por esta mesma sociedade eurocêntrica. Ideais que, geralmente, são recheados de preconceitos e pré-conceitos.

Ao responder uma pergunta dele, fiz um comentário típico de sociedade eurocêntrica, típico de quem não conhece a realidade de outros mundos. Despertei um monstro. Ainda bem que eu estava disposta a ouvi-lo e a conhecer a realidade do mundo que ele representava porque o que veio a seguir foi uma aula de cultura, (falta de) integração, a eterna lei do mais forte, entre tantas outras teorias.

Perguntei o que ele conhecia do Brasil, imaginando que, pesquisador da área, conheceria um pouco da cultura indígena daqui, do processo de integração que, na verdade, é muito parecido com o de toda América Latina. Minha grande surpresa foi ouvir apenas as teorias eurocêntricas sobre o meu país. Tudo o que ele descreveu tinha a ver com filmes e com o ideário imaginativo de estrangeiros sobre o Brasil. Minha vez de dar uma aula.

Depois me contou que seu interesse nas raízes culturais regionais vinha de uma pesquisa consciente sobre si mesmo porque não sabia quem eram seus pais biológicos. Nascido na Guatemala, foi criado por pais mexicanos. Não se lembrava da outra vida quando ainda não vivia com aqueles a quem chamava de família com muito orgulho.

Eu já tinha terminado meu sorvete e ele comentou que precisava voltar ao hotel porque estava esperando uma ligação importante. Então nos despedimos. Para mim, ficou a sensação de que somos todos iguais, nós os latino-americanos. E de que nós, os seres humanos, temos uma visão limitada daquilo que não nos cerca. E de que viajar é estar aberta a experiências igualmente inesperadas e enriquecedoras e estranhamente simbólicas. Como trocar experiências culturais sobre a integração dos povos indígenas da América Latina depois de ter o caminho interrompido por um símbolo da cultura norte-americana em plena 5ª Avenida em Playa del Carmen, México.

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