Primeira aventura na imigração — Toronto, Canadá

Filipe Mendonça
Revista Passaporte
Published in
6 min readFeb 15, 2020

Era meio de março de 2014. Eu estava na fila da imigração do Pearson Airport, em Toronto, conhecido, entre outras coisas, pela sigla YYZ, nome de uma música do Rush, um filho pródigo da cidade. Na verdade, apenas fãs da banda lembram desse detalhe. Mas era nisso que eu tentava focar para ajudar a controlar um pouco o nervosismo de estar pela primeira vez em uma fila de imigração para outro país, assim como bem próximo de ter que usar o meu inglês para valer pela primeira vez com nativos da língua. E, se pela ansiedade e falta de costume, eu gaguejasse e o oficial de imigração achasse que eu estivesse mentindo? Eu tinha todos os documentos prontos, mas estava entrando com um visto de estudo e trabalho para oito meses o que, na minha cabeça, talvez fizesse eles serem um pouco mais estritos (eu estava tentando entrar no primo dos Estados Unidos, afinal). Eu tinha cumprido todos os requisitos e conseguido o meu visto com o consulado canadense. O país já tinha dito que eu era bem vindo por lá, mas eu não conseguia pensar positivamente sobre toda aquela situação. A verdade é que eu já estava me planejando para ser deportado enquanto ensaiava algumas frases prontas para falar na imigração. Sempre bom estar preparado para o pior.

Pensando agora, eu não tinha nenhum motivo para estar nervoso. Mas o meu eu de agora não estava lá naquele momento para falar isso. Quem estava lá era uma pessoa que nunca havia passado por uma imigração e, claro, nunca nem tinha saído do país.

Como era a primeira vez viajando a estudo, eu havia contado com uma agência de intercâmbio para me ajudar com todo o processo. Apesar de gostar de preparar minhas próprias viagens e nunca usar agências, nesse caso, preferi fazer diferente para me sentir mais seguro. A primeira coisa foi comprar o voo para poder dar entrada no visto canadense (era necessário) e eu queria ir o mais rápido possível, então perguntei quanto tempo eu precisaria para tirar o passaporte (que eu também não tinha) e o visto, me disseram que por volta de 60 dias, então comprei a passagem para dali a 70 dias. Bilhete na mão, fui tirar o passaporte. Entrei no site da Polícia Federal, dei os meus dados, fiz o meu agendamento para o mais cedo possível. Chegado o dia, fui na PF do aeroporto para tirar as fotos e digitais. Expliquei que eu tinha certa pressa pois tinha um voo marcado para dali a 10 dias (o pessoal da agência fez uma reserva cancelável em um voo qualquer que realmente partia em 10 dias para eu apresentar) e disseram que iam me dar prioridade. Tirei fotos, dei minhas digitais, assinei a papelada e voltei para casa. Poucos dias depois, peguei o meu passaporte e já mandei, junto com toda a documentação, para o despachante (obrigatório para o visto canadense). Algumas semanas depois, fui informado de que teria que fazer uma consulta em um médico registrado pelo consulado canadense mostrando que eu não tinha nenhuma doença que precisasse de tratamento no país. Viajei da minha cidade, Aracaju, a Salvador (a cidade mais próxima com um médico registrado) e consegui o meu atestado. Depois de mais algumas semanas, recebi o meu visto. Ainda tinha mais uns 20 dias até a viagem e resolvi aplicar para o visto americano, caso quisesse viajar aos EUA enquanto estivesse em Toronto. Consegui uma entrevista para dali a uma semana, logo depois do carnaval do Rio, onde eu estaria. Ainda de ressaca, fui no consulado americano, consegui o meu visto e, 3 dias depois, volto lá para buscar o meu passaporte (preferi não esperar os Correios levarem até a minha cidade, a alternativa dada pelo consulado). De volta a Aracaju, despedidas e embarco para Toronto.

Lá estava eu na fila da imigração. Tinha todos os documentos que estavam em todos os e-mails que eu troquei com a agência de viagem e com o despachante. Tudo o que eu havia recebido da escola de inglês, da hospedagem, de todos os processos do visto (inclusive os documentos que eu já havia apresentado ao consulado), tudo. Eu tinha praticamente uma linha do tempo impressa de como eu havia conseguido aquele papel que me dizia que eu era bem vindo no Canadá. Tudo dobrado, um a um, dentro de uma pastinha, separado em duas partes: o que eu provavelmente teria que apresentar e o que eu provavelmente não teria, cada parte em ordem cronológica, todos dobrados com o texto para o lado de fora, com o título do documento em destaque para rápida identificação. Sim, eu tenho TOC.

A cada pessoa que era chamada, eu ficava acompanhando os passos e olhando para as expressões dos oficiais de imigração quando recebiam o passaporte nas mãos. Existia uma fila para quem não precisava de visto (basicamente europeus e outras poucas nacionalidades) e para quem precisava (cheia de latinos, africanos, árabes e asiáticos). Claro que a primeira andava bem mais rápido, mas a minha não chegava a ser uma demora tortuosa. Aliás, talvez eu até estivesse desejando que demorasse um pouco mais já que a cada passo que eu dava, a ansiedade aumentava.

Uma família de indianos demorou um bom tempo lá, o que me deixou meio apreensivo. Mas, aparentemente, os latinos passavam sem muitos problemas. Na verdade, eu não saberia quem estava sendo rejeitado ou não, já que todos passam pela imigração e aí seguem para o raio-x das malas antes de ouvirem o definitivo welcome to Canada ou para conversar com outros oficiais de imigração em uma última chance de evitar o carimbo de recusa. E quem ia para onde, eu não conseguia ver.

Chegou a minha vez. Cada passo pesava uma tonelada e eu tentava fingir tranquilidade enquanto puxava duas malas com carrinhos procurando não virar nenhuma, o que se provou um desafio já que uma mala era pequena e outra grande, uma era bem mais leve e tinha o carrinho mais curto e precisava de força e inclinação diferentes da outra. Mas consegui chegar ao oficial sem nenhum tombo, apesar de a mala pequena ter sambando um tanto no caminho.

Disse good morning e entreguei o meu passaporte ao oficial que, apesar de impassível, respondeu educadamente. Sempre dizem para não puxar nenhum assunto e apenas responder as perguntas diretamente. Para mim, isso não era nenhum problema, já que, além da minha timidez normal, eu estava bem nervoso para falar qualquer coisa. O oficial viu o visto com a minha intenção de estudo e trabalho e não perguntou quase nada. Colheu minhas digitais, tirou uma foto e carimbou o meu passaporte. Junto com aquele carimbo, parece que entrou uma corrente de ar fresco em meus pulmões e eu estava imediatamente mais tranquilo. Eu estava no Canadá. Dali, o oficial me mandou para uma outra sala para receber a minha permissão de trabalho.

Lá, um outro oficial pediu vários documentos da escola, da hospedagem e do visto. Rapidamente entreguei todos. E notei que um deles não estava na lista que a agência havia me dado de documentos que seriam pedidos na imigração. Por sorte, eu havia impresso por segurança, junto com vários outros documentos que nem precisei. O papel já estava nas mãos do oficial, que terminava de digitar a minha permissão para imprimir e grampear no meu passaporte. Mesmo assim, o meu lado ansioso começou a pensar em uma realidade alternativa onde eu não havia impresso aquele documento e, por isso, havia sido impedido de entrar no país. Eu estava entrando no primeiro voo de volta para o Brasil, triste e cheio de ódio por ter seguido as orientações da agência e não ter sido mais cuidadoso.

Balancei a cabeça para sacudir esse pensamento. O oficial me entregou o meu passaporte e eu finalmente entrei no Canadá. Não posso dizer que foi uma recepção calorosa porque lá fora fazia -15°C, mas entrei no ônibus que me levaria para o metrô bem feliz. Feliz não, aliviado. A felicidade sempre vem depois. Ali começavam os 8 meses que eu passei na América do Norte, mas, para mim, parecia o fim de uma aventura que aconteceu mais na minha cabeça que na realidade. A imaginação, essa maldita.

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