Primeiras impressões fora de casa

Ariela Maier M. Novaes
Revista Passaporte
Published in
4 min readApr 6, 2019
Brisbane e seu pôr do sol que sinto tantas saudades

Ouvi falar que em um intercâmbio tudo é mais intenso; que quando você vem para o outro lado do mundo, tudo inverte; que a adaptação às vezes leva um tempo; que você muda totalmente. Também ouvi falar que a Austrália era um país caro, que eu ia amar lá e que nunca mais ia querer voltar. Que tinha muito brasileiro. Que o jet lag era terrível, demoraria pelo menos duas semanas para passar. Que existiria uma correria nas primeiras semanas. O problema é que não acreditei em muita coisa, ou melhor, em quase nada.

Esse texto está sendo escrito na minha terceira semana aqui. Meu jet lag está quase 100%, mas para falar a verdade quando eu acho que está 100%, ele volta a aparecer. O que não me falaram era que meu corpo também ia dar uma pirada com esse tal de jet lag. O problema não é só o sono ou insônia em horas inapropriadas ou a fome de um prato de arroz e feijão em plena madrugada; mas, ninguém me avisou que eu ia ter piriri, que meu intestino ia demorar a querer funcionar normalmente, que eu teria um cansaço estranho e em horas estranhas. Que minha fome de almoço ao meio dia simplesmente deixaria de existir, e seria substituída por uma vontade de café da manhã às 11 horas. É tanta confusão na cabeça, que até para escrever tudo que estou pensando fica difícil. Aliás, a confusão é tanta que até para pensar está difícil.

Já tinham me alertado que tinha muito brasileiro aqui, mas afinal, brasileiro é uma praga né? Tem em todo lugar. Só que quando me falaram “lá tem muito brasileiro”, a gente não estima esse muito como metade do avião sendo de brasileiros, escutar português no mínimo duas ou três vezes por dia na rua, ter metade da sua sala de aula ou mais de brasileiros, (e que insistem em falar em português na aula, mesmo levando “bronca” do professor). Eu juro que a proporção que eu imaginava era bem menor, que eu teria muito mais amigos gringos (e olha que me esforço para isso) e que seria também muito mais fácil de se afastar dos brasileiros.

A correria existiu. Não conseguia nem responder mensagem no celular, o que deixou muita gente emputecida. É lugar para morar, é estudar inglês, é tirar certificação para começar a trabalhar, é aprender o lugar de tudo e como ir ao supermercado. É muito detalhe para conseguir até respirar. E sim, definitivamente é muito caro aqui então retiro o que disse sobre os brasileiros que ficam convertendo tudo e os europeus que me falaram isso serem mão de vaca.

Eu estou invertida. Sempre gostei de ficar sozinha, mas agora estou morrendo de vontade de me entrosar com mais pessoas, e é sempre um alívio estar entre conhecidos, mesmo que sejam recentes conhecidos. Adorava morar sozinha, mas não vejo a hora de alguém mudar para o quarto ao lado, mesmo eu tendo que dividir a cozinha e o banheiro com esse futuro desconhecido.

No último ano adorava viajar sozinha, mas agora parece que sempre está faltando alguma coisa ou alguém para dividir. Adorava ficar quietinha lendo ou assistindo um Netflix, mas ainda não consegui voltar a sentir alegria em ter esses momentos. Parece até que nunca mais vou ter isso, o que me deixa entristecida. É um turbilhão de pensamentos e sentimentos, é uma vontade de chorar por coisas toscas, é uma vontade de pedir para o tempo passar e parar ao mesmo tempo. É uma dificuldade de manter a organização, é querer sair batendo perna, ou de ficar quietinha mesmo embaixo das cobertas. É vontade de receber a mensagem de um amigo logo, mesmo sabendo que a essa hora você já está na metade do dia, e ele nem acordou para começar o dele lá do outro lado do mundo. E enquanto você está indo pra balada, ele está começando o dia dele de trabalho. Essa coisa de viver tudo na frente realmente é muito esquisito, parece que estou sempre perdendo alguma parte importante da vida, mas ganhando outra.

Ao mesmo tempo que me falaram que ia chegar rápido essa viagem, nem parece que chegou e provavelmente quando chegar a hora de voltar, nem vai parecer que eu estive aqui. Do jeito que falaram também achei que ia me apaixonar rápido pelo país, e que nunca mais iria querer sair. Na verdade, estou gostando aos poucos e às vezes parece que nem gostando estou. Sinto falta do Brasil, mas não em todos os aspectos. Na verdade, sinto muita falta da comida, mas agora não é mais o fim do mundo como poderia ser alguns anos atrás.

Achei que ia falar mais inglês, mas parece que ele está travado e eu não consigo colocar para fora. Parece até que antes eu estava falando melhor. As palavras insistem em desaparecer do meu cérebro.

Sinto falta de alguém, como sinto, e estava tão bem resolvida sozinha. Parece que tudo começa a aparecer em horas impróprias. De novo, escrever está tão difícil. Era para ser mais fácil, não era? Viajar sozinha é tão bom! Porque estou assim? Parece que não consegui aproveitar nada ainda, e parece que nem vou. Que saco!

PS: Acabei de achar esse texto no meu computador e como foi bom reviver os sentimentos que eu mal lembrava que tinha sentido naquela fase. Tudo tão novo e desconhecido. Como foi bom reconhecer que também tudo melhorou e hoje sinto uma puta saudade daquele país e de tudo que ele me proporcionou. (texto escrito em julho de 2017)

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