Talita Meira
Revista Passaporte
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7 min readMay 31, 2020

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Quando alguém te pergunta se você está preparado para aquela situação, e imediatamente você responde:

“Sim, eu estou”.

Na verdade, você só estará preparado, quando a situação realmente acontecer.

Principalmente se você nunca passou por ela antes.

É aquele negócio: “você vai saber como é, quando acontecer contigo.”

Roma, Agosto de 2015.

Fazia muito calor.

Ao contrário do que muitos pensam, o verão europeu é muito quente e muito úmido.

Havia acabado de me mudar pra lá. Buscando novas oportunidades na cidade eterna, na capital imponente com toda a sua beleza histórica cultural, escancarada em cada esquina.

Como bagagem de mão, carregava algumas frustrações e um pouco de receio.

Medo do novo.

Ousadia velha de guerra.

Tenho sempre comigo a caixa dos primeiros-socorros, cheia de curativos da fé e do entusiasmo, acreditando sempre que vai dar certo, mesmo que não seja da maneira como tinha planejado.

Ao mesmo tempo que era um momento de êxtase por recomeçar em uma nova cidade, era um momento de apreensão por querer que as coisas boas acontecessem o quanto antes.

O sentimento era aquele de ter nadado por muitas horas em alto mar, e quando avistei a praia, me senti muito mais forte, ainda que, a exaustão quisesse impedir meus movimentos mornamente calculados.

Era pegar ou largar, como diz um trecho do livro – “Pai rico, pai pobre”.

Como nunca neguei trabalho, aceitei, pensando que seria a ponte para algo melhor.

Fui camareira de um hotel no centro de Roma.

Limpei merdas alheias.

Lidei com as maiores porquices culturais imagináveis.

Arrumava camas.

Conversei com excelentes pessoas, e também com pessoas amarguradas e mal educadas.

Vi que pedras preciosas nem sempre vem lapidadas.

Ouvi histórias.

Fiz amizade.

Vivenciei situações.

Ganhei experiências.

Levantava cedo para fazer marmita.

Pegava metro.

Admirava o museu a céu aberto, gratuito, que me devorava com tantos detalhes em suas obras.

E nessa dança da vassoura e esfregão, recebi um bilhete, de um hóspede agradecendo “a moça que limpava seu quarto todos os dias, com um sorriso no rosto”.

Taí uma coisa que tento preservar. Embora, algumas vezes, por dentro eu não queria…

Meu coração ficou grato, esperançoso.

Chegava em casa cansada.

Apesar de ter plena consciência da realidade que teria que enfrentar, do orgulho ferido a sangrar, e não ser o que eu gostaria pra mim, não por muito tempo, eu persistia.

Tinha vez, que eu sentia que eu estava perdendo tempo.

Porém, era o tempo que eu tinha.

Chorei.

E mais salgadas do que as minhas lágrimas, que escorriam silenciosamente pelo meu rosto sardento, eram os dias, que insistiam em me nocautear.

Chorei de tristeza.

Chorei de alegria.

Chorei de raiva.

Chorei de emoção.

Existiam sim, pequenas vitórias nos meus dias.

Como quando aprendemos a andar … a falar… vitórias pequenas, vitórias minhas.

Foram inúmeras tentativas.

E a cada tentativa frustrada, era um empurrão que crescia.

Sabendo que tinha capacidade para fazer mais do que isso, mas naquele agora, o me restava, era aquele presente.

Nunca desmereci nenhum trabalho que fiz, agradeço por desde muito cedo, me colocar no lugar do outro, e claro, eu não sou hipócrita de me contentar com algo que me tirava o riso e os sonhos.

Talvez os sonhos precisam ser construídos com tijolos assim, para que se concretizem.

Permaneci.

Enquanto procurava por outras possibilidades, pedi para me assumirem no hotel.

Gentilmente me negaram, pois realmente era temporário.

A minha alegria, era passar na banca de frutas no caminho para casa, e comprar uma melancia. Daquela pequena mesmo.

Saciava a minha sede, remetia a lembranças doces e refrescantes, como todo o verão deve ser.

Era o que eu podia me permitir financeiramente, já que tinha arriscado demais chegando em terras gladiadoras.

Parece exagero, mas quando você está passando por certas situações, que acredita estar preparado, precisa realmente estar preparado, mesmo com os pés apoiados no chão.

Renúncias eram feitas todos os dias, para que as escolhas dessem resultados.

E assim é, quando se quer conquistar algo que sabe que merece.

Algo que é grandioso.

Algo que sabe que veio buscar.

Algo seu.

Às vezes o desespero batia, no entanto, eu tinha um colo que me acolhia.

Uma mão que se entrelaçava na minha.

Éramos a nossa força diária.

E nessa união de forças, tudo ficava bem.

Havíamos subtraído um apartamento só nosso, por um quarto, cheio de coisas empilhadas, uma parte do colchão era apoiado numa caixa do aspirador de pó, e com vista para um armário.

Dividir apartamento com desconhecidos, muitas vezes incomodava, mas também amadurecia.

Aprendia mais sobre mim, observando o outro, do que sobre o outro.

Entre sorrisos e soluços, saí para distribuir currículos.

Assim como fiz quando tinha 15 anos. Destemida.

Confiante que só voltaria pra casa, quando eu tivesse uma resposta.

Fui decidida a entregar em restaurantes, que era onde tinha mais procura.

E a resposta veio, ao entrar numa hamburgueria gourmet, e pedir para a moça que se lambuzava na sua pausa para o almoço, se eles estavam precisando de alguém para trabalhar.

Com a boca ainda cheia e suja de maionese, me disse que sim.

Por um lado achei simpática, por outro me senti intimada.

Meu currículo cumpria as normas europeias, que procurei enxugar dentro do que eu buscava, explicando para ela resumidamente o que eu pretendia.

Fui sincera. Como sempre procuro ser.

Transparente, para evitar uma avalanche de dúvidas e desentendimentos.

Sincera nem tanto.

Boazinha, mas não muito.

Já não tinha mais nada a perder.

A moça disse que eu podia fazer um teste no dia seguinte.

Compareci com antecedência, tensa por nunca ter sido garçonete, por não compreender o sotaque romano, por não querer ser hostilizada.

Me bombardeou com informações sobre pratos e mesas.

Fiquei confusa, ainda assim me empenhei, e logo depois, ela disse para eu abordar as pessoas na porta.

Honestamente, eu não gostei.

Eu não me identificava com esse tipo de postura.

Me senti desconfortável, pois quem quer comer ou beber algo, que entre.

Sei lá.

Persuadir e pressionar tem diferença.

É igual usar um cinto: demais aperta, de menos afrouxa.

De repente, o suposto dono a chama, aos berros, questionando o que ela havia feito.

- “Porque eu estava lá?”

- “Quem era eu?”

- “Onde já se viu, autorizar uma estrangeira a fazer um teste, sem nem sequer comunicá-lo, e mostrar a ele os documentos.”

Eu vi a movimentação e me aproximei.

Disse a ele que apesar de ser brasileira, eu estava legal no país, e com os devidos documentos. Aproveitei e mandei:

- “Eu não sei que tipo de gente você está acostumado a lidar, mas eu não sou assim.”

- “Quer que te mostre meus documentos?”

Com uma arrogância no olhar, me respondeu que sim.

- “Toma!” – eu disse – colocando os documentos sob o balcão.

Naquele momento, o meu Italiano nunca tinha sido tão perfeito, tão preciso, tao fluente e tão eu!

As minhas axilas suavam, ainda bem que a camiseta era preta.

O efeito dominó foi lançado: ele foi grosso com ela, e ela descontou em mim toda a sua fúria.

Sem saber o meu nome direito, me pediu para ir até a cozinha, ajudar a lavar pratos.

Eu estava com muita fome e muita sede, pois já haviam passado muitas horas, desde que tinha iniciado o turno.

Presenciando o circo não muito longe da arena, o rapaz que ficava no bar, me ofereceu um copo d’água.

O teste durou 8 horas.

E eu patinando naquele óleo que cobria o piso da cozinha, entre chapas quentes, talheres e louças.

Enquanto o cozinheiro, pedia para que eu passasse pratos limpos para ele.

Um caos!

Era um teste para garçonete, era um teste preparatório para enfrentar o peso que toda escolha carrega, mas nesse meio tempo, eu já havia sido recepcionista, lava-pratos, ajudante de cozinheiro, enfim, já nem sabia mais de qual obra eu era o pau.

Via baldes de comida sendo jogados fora.

Lanches suculentos, que voltavam para a cozinha, depois das mesas terem sido desocupadas, sem serem tocados, pois de certo, as pessoas haviam bebido demais, e comido somente a batatinha que acompanhava os lanches.

Enxugava o suor da testa com o punho, concentrada naqueles lanches sendo lamentavelmente desperdiçados.

Pensava com os meus botões: “Meu Deus, o que eu preciso aprender com isso, o que eu fiz para atrair essa situação medonha?”

Eu tinha um tiranossauro rex no meu estômago, cujo som era disfarçado com a típica fanfarra de uma cozinha nada organizada.

Estava com um nó na garganta, pois mesmo tendo conseguido me expressar, me sentia de certa forma, envergonhada, diminuída.

O turno acabou e a moça sumiu.

Ninguém sabia dela.

Ela precisava pagar o vulgo teste, o combinado.

Esperei por uma hora, ela apareceu, me pagou como se eu tivesse feito um favor.

Não me agradeceu e não deu nenhum tipo de resposta.

Naquela altura, o meu lado sombrio queria fechar a mão e dar um soco no meio da cara dela. Entretanto, o meu lado da luz gritou mais alto, eu peguei o dinheiro, agradeci e fui pra casa, desolada, faminta, mas orgulhosa por não ter permitido, por mais que eu estava precisando, que pisassem na minha dignidade, sendo eu brasileira ou não.

Fiz o que me pediram, ainda que a vontade era sair correndo, chorando o nervoso contido.

A minha boa vontade foi testada, mas continuava boa.

Nesse dia, eu aprendi que estar preparada, é ser o que eu vim ser: vencedora, vencedora das minhas emoções, mesmo trazendo no peito, medalhas recebidas em momentos de derrota.

Só eu sei o caminho que eu fiz para chegar até aqui, até esse podium que é a vida.

Preparada nem sempre, mas estou pronta como nunca!

E você? Está preparado?

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Por Talita Meira ✍🏻

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Talita Meira
Revista Passaporte

👩🏻‍🎓Publicitária de formação 👩🏻‍💻Marketeira de especialização 💌Escritora de coração 🌍Eterna viajante 📱Meus parágrafos estão no Instagram @paragrafeii