Quando se vive em outra cidade

Júlia Palhardi
Revista Passaporte
Published in
2 min readSep 1, 2019
Ilustração: Yann Kebbi

Hoje o caos interno exclamou tão alto que além de escrever, eu tive vontade de publicar — o que nunca acontece. Normalmente durante uma crise existencial aguda, alcanço o que estiver mais perto para registrar os sentimentos que me incomodam. Papel, lápis, caneta ou computador. É a minha forma de lidar com eles. Mas hoje e durante os últimos dias que se passaram, percebo que outras pessoas encontram-se no mesmo estado carregado, defasado, sufocado, saturado… que eu.

Tento encontrar explicações na conjuntura política, tento encontrar explicações internamente, tento procurar explicações nos astros, tento procurar explicações em livros e em orações… Não consigo explicar. Falho miseravelmente.

O que quero compartilhar aqui, hoje, com quem tiver a empatia de terminar este texto, é sobre a eterna discrepância entre o ir e o vir. É sobre o misto de controvérsias e incertezas quando se vive em outro lugar. Outro lugar que não é o seu. Porque nenhum é. Mas agora tem que ser.

É sobre a brevidade de todas essas coisas. É sobre nunca se adaptar por inteiro nem aqui, nem acolá. É sobre, mesmo inconscientemente, se confortar com a ideia de que o que se constrói nesse lugar, um dia se esgotará.

É sobre as conversas que antes eram diárias e hoje são quinzenais. Mensais. Anuais. É sobre as amizades que se escorreram por entre meus dedos. É sobre o que eu não consigo segurar. É sobre a paisagem que está distante do meu olhar.

É sobre o grito do vizinho que incomoda, é sobre a cultura que se choca, é sobre a água da chuva distante que me toca. É sobre tudo o que me atinge. É sobre o choro que me aflige. É sobre o colo que me falta.

É sobre não se encaixar. É sobre viver para esperar. É sobre ter; e reclamar…

É fazer-se tão ausente lá, que quando se está aqui, te esquecem aos poucos como quem nunca mais foi visto nos mesmos lares e bares de outrora.

É sobre como se visita, é sobre como se comemora. É sobre como a gente foge, é sobre como a gente enrola. É sobre como a gente ri. É sobre o que eu já me esqueci…

21 de outubro de 2018, desabafos de um domingo que eu precisava escrever. Então escrevi, escrevi, escrevi… E no final já nem me lembrava mais porque estava escrevendo. É isso. Não precisa fazer sentido.

--

--

Júlia Palhardi
Revista Passaporte

Fascinada pela arte de ouvir pessoas e transformar as sutilezas do cotidiano, em poesia. Jornalista, escritora, atriz.