(Quase) morte no lago e o pato no restaurante tailandês — Melsungen, Alemanha
Nunca havia ouvido sequer falar de Melsungen, mas tinha certeza que ela existia. Uma cidade miúda perdida no centro da Alemanha. Menos de 15 mil habitantes que viviam, em sua maioria, no centro, um lugar belíssimo com arquitetura tradicional e muito bem conservada. Os arredores bucólicos da cidade contavam com gramados enfeitados de girassóis e casinhas perdidas por ruas que quase não viam carros.
Eu estava passando um par de dias ali como parte de uma pequena road trip pelo centro da Alemanha. Fui visitar uma amiga, Patricia, em Colônia, no oeste do país, e fomos em seu carro até a sua cidade natal, Bamberg, no leste. No caminho, fomos parando em algumas cidades. Uma delas era Melsungen, para onde uma amiga nossa, Sylvia, havia se mudado a trabalho. Nós três havíamos estudado no México e morado na mesma casa, então, estava sendo um reencontro cheio de histórias saudosas.
Como havíamos chegado no meio da tarde do sábado, o primeiro dia foi um tanto curto, então o passamos no estilo que passávamos grande parte dos dias no México: comida e balada. Sylvia nos havia preparado um jantar indiano que havia aprendido com um amigo de lá. Era um curry de arroz com uns legumes cozidos à parte e conservas indianas de manga e de pimenta, tudo isso servido com pão chato. Tudo uma delícia e vegetariano, o que deixou o estômago cheio e leve, perfeito para tomar umas cervejas na balada onde passamos o resto da noite.
No dia seguinte, pensamos no melhor jeito de curar o pouco de ressaca que tínhamos e fomos a um lago nos arredores de Melsungen. Era verão e fazia mais de trinta graus, o suficiente para torrar a pele. Mas, como o centro da Alemanha é um tanto seco, não se sentia tanto calor quanto se estivéssemos no litoral. Patricia foi dirigindo até o mais próximo que conseguíamos chegar do lago. Paramos em uma estradinha, junto a outros carros de pessoas que provavelmente tiveram o mesmo plano que nós. Pegamos nossas coisas e partimos.
O caminho para o lago não era muito longo, mas tinha algumas subidas e descidas de pedras que me deixaram arrependido de ter ido de sandálias. Mas, surpreendentemente, chego ao lago sem nenhum arranhão e com as havaianas intactas. A água verde refletia um dia lindo. Por mais que eu odeie o calor, um céu azul é sempre uma bela recompensa. E bem, eu não tinha muito o que reclamar, dois passos e eu estava dentro da água me refrescando e lavando a ressaca do corpo.
Arranjamos um canto para as nossas coisas, tirei a minha camisa e me preparei para entrar no lago. Patricia e Sylvia pularam na frente e me confirmaram que a água estava uma delícia. Então, caminhei em direção à água carregando todas as minhas expectativas. Pulei e senti tanto frio que parecia que os meus pulmões haviam comprimido. De repente eu já não tinha tanto fôlego. Esperei uns dois minutos, para me acostumar com a temperatura, e comecei a nadar para acompanhar Patricia e Sylvia que, a essa altura, já estavam quase na metade do lago, indo em direção ao outro lado.
Veja bem, eu nasci e vivi a vida toda no litoral nordestino, onde só existem duas estações: verão e verão com chuva. Simplesmente não existe frio e a temperatura daquele lago, segundo elas, era o mais quente que chegava todo o ano e, mesmo assim, era mais frio que o mais frio que uma praia nordestina pode chegar.
Enfim, comecei a nadar e, quando eu estava quase na metade, finalmente admiti que não iria conseguir chegar até o outro lado. Ainda não estava conseguindo respirar direito e nem com o nado o meu corpo esquentou o suficiente para os meus pulmões voltarem ao normal. Então comecei a retornar. O problema é que eu havia usado bem mais que a metade do fôlego para chegar na metade do caminho e, agora, começava a parecer que eu não teria forças para voltar à borda. Assim, comecei a nadar de costas, meio desajeitado. O que eu queria era estar com o rosto para fora da água e fazer respirações mais curtas e rápidas, já que o meu pulmão parecia comportar cada vez menos ar. Quando eu já estava tentando pensar no lado bom de uma morte por afogamento, consegui chegar em algumas pedras onde eu poderia sentar. Recuperei o fôlego por alguns minutos e completei o pouco que restou do caminho até as nossas coisas. Ao menos a ressaca estava curada.
Peguei a minha toalha e me sequei. Então, acenei para Patricia e Sylvia para mostrar que eu estava bem apesar de não ter chegado lá onde elas estavam. Por fim, me deitei na toalha, coloquei os meus fones de ouvido com algumas músicas bem tranquilas para acalmar o coração acelerado pela adrenalina enquanto esperava Sylvia e Patricia voltarem. Acabei dormindo e acordei com elas chegando trinta minutos depois. Levantei e tudo começou a girar. Meus braços e barriga ardiam. Voltei a me deitar por causa da tontura e comecei a suspeitar que estava com uma insolação. Bem, a certeza que eu tinha era que minha pele estava toda torrada de um lado, como um bife mal feito: bem passado de um lado e cru do outro.
Comecei a levantar novamente com um pouco mais de calma. Ainda estava tonto, mas agora conseguia administrar o baque. Alguns minutos esperando a tontura passar e consegui me levantar. Pulei na água fria como que para esfriar as queimaduras. Também não queria estragar o passeio de Sylvia e Patricia, então continuava dizendo que estava tudo bem e puxando outros assuntos.
Saí da água, peguei a toalha para me secar e voltamos para a casa de Sylvia. Lá, tomei um banho de verdade, peguei um pouco de hidratante emprestado e passei no meu lado bem passado. Conversamos sobre os planos para a noite e Sylvia nos falou de um restaurante tailandês que ela gostava. Eu e Patricia aceitamos a sugestão na hora. Comida tailandesa sempre parece uma boa ideia. Então nos vestimos e fomos caminhando até lá.
Eram uns dez minutos de distância e, aqui, cabe dizer que nunca na minha vida vi tantas vespas quanto na Alemanha. Elas não picavam, mas eram um bocado irritantes para quem não estava acostumado, como eu. Chegamos a uma praça que estava deserta e envolta por uma penumbra, dadas as poucas luzes. Talvez por isso (não sou especialista), estava realmente cheia de vespas. Se eu tivesse uma daquelas raquetes de eletrocutar insetos, bastava um movimento de braço para cometer um genocídio.
Por sorte, a praça era bem pequena e poucos minutos depois chegamos ao restaurante. Chegamos ao jardim que era iluminado por poucas lâmpadas e conseguimos uma mesa com algumas velas para ajudar. Li o menu em alemão com a ajuda do tradutor do celular e, com a ajuda de Sylvia e Patricia, pedi o prato de pato mais picante do cardápio. A senhora que nos atendeu era uma simpática tailandesa que, fora a sua língua materna, só falava alemão. Assim, a única maneira que podíamos nos comunicar diretamente era com sorrisos simpáticos e gestos de mão.
Como eu ainda estava um bocado tonto da insolação, resolvi não beber nada de álcool. Sylvia e Patricia dividiram uma garrafa de vinho enquanto eu bebia Coca-cola. Os nossos pratos chegaram. Para Sylvia, um pequeno peixe grelhado inteiro. Patricia pediu um peito de pato com leite de coco. O meu prato era também um magret de pato só que empanado e por cima de uns legumes e molho picante. Umas cumbucas com um arroz ainda soltando vapor chegaram logo depois, assim como um pratinho com outros quatro molhos de pimenta. Como o meu pato não estava apimentado o suficiente, coloquei de todos, cada um em uma parte do prato.
Apesar de ser a minha primeira vez em um restaurante tailandês, aquela comida me pareceu ser algo que as avós cozinham na Tailândia. Pelo menos o tempero. Aquela comida abraçava. O pato era extremamente macio e suculento. O arroz todo pegado, para ser comido com os dois palitos, se dividia em pequenos travesseiros que sugavam todo o molho do prato. Os molhos de pimenta ajudaram a esquentar um pouco o corpo naquela noite que já estava um pouco mais fria do que o que eu era acostumado. E a senhora aparecia sempre sorridente, acredito que para perguntar se estava tudo bem. Ao menos eu respondia com um sorriso que dizia que estava tudo ótimo.
Na saída, a senhora recebia o pagamento enquanto uma moça mais jovem nos entregava toalhas úmidas e quentinhas para limparmos as mãos. E essas toalhinhas eram cheias de carinho. Foi o toque especial de um dos melhores restaurantes que eu já fui na vida.
Na volta para casa, aproveitamos para ver a cidade pela noite. Não que tivéssemos visto muita gente naquele fim de semana em Melsungen, mas a cidade completamente deserta no domingo à noite tinha um charme especial. Era um reencontro com grandes amigas que eu vou ver poucas vezes na vida e, por isso, tentamos aproveitar ao máximo. Na segunda-feira de manhã, nós nos despedimos de Sylvia e saímos todos juntos. Sylvia para o trabalho, eu e Patricia para a próxima parada. De Melsungen, levo um belo reencontro, uma grande experiência no restaurante tailandês e uma insolação. O Sol queimou a minha pele mas também esquentou o coração.
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