Respira fundo que lá vem beleza

Annamaria Marchesini
Revista Passaporte
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4 min readApr 29, 2018

Sem fôlego, em todos os sentidos. É assim que a gente fica quando visita as cinco vilas de Cinqueterre, quatro delas debruçadas em penhascos diante do mar da Ligúria — Riomaggiore, Manarola, Coniglia e Vernazza. Monterosso al Mare é plana e ao nível da praia. Mesmo quem já as conhece fica inteiramente tomado pela arquitetura colorida dos predinhos e os balcões rústicos voltados para o azul profundo que se junta ao céu lá no horizonte.

Assim como você perdeu o ar com esta frase enorme, o fôlego também vai embora à medida que as inevitáveis e íngremes escadinhas que levam aos cantinhos das cidades são “escaladas”. Elas desvendam montanhas forradas de videiras, levam a terraços de onde se vê a vila vizinha para além de uma faixa de mar, os barcos, as gaivotas e, algumas vezes, o pessoal lá embaixo, nadando ou pegando sol. Haja preparo físico. Mas quem não enfrenta os degraus corre o risco de não ver paisagens sensacionais e inesquecíveis. Melhor subir. Respira fundo, vai devagar, mas vai.

Riomaggiore, Manarola, Corniglia e Vernazza são parecidas na topografia. No alto das rochas, elas parecem que vão despencar a qualquer momento. Sossega, estão lá há centenas de anos, já enfrentaram tempestades e aluviões e permanecem inteiras e lindas. Com exceção de Corniglia, onde não se chega por mar, as outras são acessíveis por barcos (onde cabem 200 passageiros) e é a maneira mais legal de ir, porque deles se vê as cidades a partir do mar e — uau! — que visão maravilhosa!

A prova de fogo de verdade é a chegada a Corniglia: são 382 degraus (dizem) da Scalinata Lardarina a partir da estação de trem até o pequeno paraíso no cume da pedra. Nada que rápidas paradas para admirar a paisagem não ajudem. Mesmo assim, atinge-se o objetivo procurando o ar lá no fundo dos pulmões. Mas a cidade vale muuuito o esforço. (Aqui entre nós: dá para chegar lá em cima num pequeno ônibus ou táxi. Mas que graça tem chegar a Corniglia sem vencer a Lardarina?)

Monterosso al Mare é a única que tem praia com areia. Plana, não oferece nenhum esforço para se explorar as ruas, tão sinuosas como as das outras vilas. Em Riomaggiore há uma praia de seixos escuros e arredondados e mar límpido, onde se chega caminhando pela beira de uma rocha (há um corrimão de corda bem mais ou menos). Se for lá, esqueça o “vamos caminhar na praia”. Passear por ela exige muito jeito, que eu não tenho: me estabaquei com celular e câmera na mão. Um mico a mais. Sobrevivi só com uma mancha roxa na canela e equipamentos intactos.

Mas nem vou me dar ao trabalho de descrever mais as belezas de Cinqueterre. Será inútil. Não conseguirei chegar nem ao dedo mindinho da realidade. Procure na internet e veja. Para cada foto da região que encontrar na rede, calcule uns mil por cento a mais de intensidade, lindeza, emoção.

Se visitá-las de barco é mais legal, o trem é a opção mais barata e rápida. Neste caso, a praticidade derruba qualquer vestígio de glamour: se o tempo estiver bom, for feriado ou fim de semana, os vagões ficam tão cheios quanto o metrô ou os trens da CPTM de São Paulo em horários de pico. Mas veja o lado positivo: as distâncias entre as cidades são bem pequenas e as viagens rapidinhas levam a cenários que parecem pinturas. E podem funcionar como uma espécie de integração internacional. Os “apertamentos” humanos misturam conversas em diversos idiomas e é bem possível aprender um “dá licença” ou “desculpe” numa língua que você jamais ousou conhecer. E que talvez nunca mais escute.

Ficamos dois dias em Cinqueterre, alugamos pelo AirBNB um apartamento jeitoso e otimamente bem localizado em Riomaggiore, de frente para o mar. O tempo estava maravilhoso. Tudo certo. Mas erramos no alvo quanto ao tempo destinado a visitar as vilas. Dois dias é pouco. Terminamos por passar muito rápido por Manarola, a última que visitamos e que é igualmente linda. Ficou corrido. Depois de subir e descer tantas escadas, pegar barcos e trens, ver tanta beleza em tão pouco tempo, voltamos para Florença cansados, sem fôlego, mas falando em “na próxima vez que a gente for…” Porque uma vez só é pouco. Duas também e três nem conta. Cinqueterre merece muitas visitas.

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Annamaria Marchesini
Revista Passaporte

Sobre lugares por onde passo e outras coisinhas mais. Afinal, tudo é viagem. As fotos são minhas, para o bem e para o mal.