Risadas quentes num destino gelado

Três dias de frio e descobertas em Berlim

Regiane Folter
Revista Passaporte

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Chegamos em Berlim de noite, num voo vindo de Paris. Foi o único destino na nossa viagem pela Europa onde realmente não entendíamos bulhufas do idioma. Toda informação ao nosso redor, falada ou visual, estava em alemão, uma língua totalmente irreconhecível para nós. Caminhávamos mais devagar, tratando de entender por onde ir e o que fazer para encontrar um meio de transporte até nossa hospedagem, sem muito sucesso. Depois de muitas voltas encontramos a fila do táxi e, felizmente, viajamos com um taxista que, embora pouco simpático, falava algo de inglês e nos levou pelas ruas escuras da cidade até nosso destino sem problema.

Quando o motorista parou o carro dizendo que havíamos chegado, ficamos meio na dúvida do que fazer. O nome da rua era aquele mesmo, e o número estava certo também, mas não havia nada que indicasse que aquilo era um hostel. Ou pelo menos nós não conseguíamos ver, já que a rua estava na penumbra e a pouca iluminação não ajudava. Descemos do carro um pouco incertos, sentindo o friozinho alemão penetrar as blusas de frio insuficientes. Observando um pouco mais, me lembrei: quando confirmei a reserva no site do Hostel World, diziam algo sobre um café, que efetivamente ficava ali na esquina. Caminhamos até lá e entramos no local, uma espécie de restaurante onde pessoas muito distintas faziam suas refeições, jogavam com cartas ou em tabuleiros. Na caixa registradora uma garota da minha idade sorriu para nós.

-Regiane?

Alívio! Havíamos encontrado alguém que sabia sobre nossa reserva. A jovem anotou nossos dados, recebeu o restante do pagamento da reserva e começou a explicar o rolê. O café era o ponto central do hostel, onde poderíamos usar wifi e passar o tempo. Eles também ofereciam refeições a um preço acessível. Os quartos e a cozinha ficavam em outra parte, e para chegar lá tivemos que sair para a rua novamente.

Acompanhamos a garota que caminhava veloz pela calçada e ia apontando para uma série de portas em quase toda a extensão do quarteirão. Todas davam para a rua e eram, aí descobrimos, os distintos quartos do hostel. Uma das portas, mais ampla, dava acesso a uma cozinha coletiva. Chegamos por fim ao nosso quarto, o número 6. Dois beliches nos esperavam, além de um locker e uma mesa retangular com duas cadeiras. Dentro do quarto havia outra porta que dava para um corredor escuro, por onde tínhamos acesso ao banheiro comunitário. Tudo muito labiríntico!

Depois que a jovem saiu e nos deixou com nossas malas e pensamentos, eu e meus três companheiros de viagem nos entreolhamos um pouco incertos. O lugar era esquisito. Isso da porta do quarto dar diretamente pra rua não parecia muito seguro e para minha mãe era o fim do mundo. Aparentemente, quando batíamos a porta estando dentro do quarto não era preciso trancar, porque do lado de fora só conseguiriam abri-la com chave. Mas era estranha a sensação de estar tão próximos daquela rua escura, então passamos vários minutos fazendo todo o tipo de teste para assegurar-nos que nenhum estranho poderia entrar de supetão no meio da noite.

O quarto em si era básico, mas funcional. Tinha aquecedor, algo muito importante para sobreviver ao início da primavera alemã. Havia suficiente espaço e conforto para passar as três noites que tínhamos planejado e o bônus de não ter que dividir o quarto com mais ninguém. Mas o banheiro sim era compartilhado e lá não havia aquecimento nenhum além do vapor que ficava no ar depois que alguém se banhava. Havia pouco espaço nas duchas e para tomar banho e trocar de roupa no mesmo cubículo era preciso ser meio contorcionista.

O banheiro feminino ficava em frente ao masculino, que estava em reforma e parte da pia não funcionava. Inclusive a porta do banheiro estava quebrada e meu irmão e namorado conseguiram realizar a proeza de se trancar dentro do banheiro gelado. Tive que voltar até o restaurante, que já estava fechando, para pedir que socorressem os dois cabeções, o que foi feito por um alemão muito impaciente. Depois de abrir a porta e resgatá-los, o homem sinalizou exasperado um cartaz ao lado dos banheiros que dizia “NÃO fechar”.

Depois de todo esse auê, comemos algo, tomamos banho e voltamos ao quarto. Nos sentamos em silêncio e nos entreolhamos de novo. E aí começaram as gargalhadas. A aventura em Berlim havia começado de maneira desafiante. Desbravar as ruas escuras da cidade, sem poder comunicar-nos da melhor maneira, e descobrir que o hostel mais parecia o típico lugar onde filmes de terror aconteciam, tudo isso em menos de três horas na cidade. Minha mãe então, estava com tal crise de riso que teve que usar a bombinha de asma para não ficar sem respirar. Era uma situação trágica que terminava sendo cômica.

Os dias que se seguiram na Alemanha foram assim, frios, duros e totalmente interessantes. Das 5 cidades que visitamos na Europa durante essa viagem, foi o destino menos acolhedor de todos, mas também foi onde nos sentimos mais livres. Por três dias passeamos pela capital alemã, encapotados contra o frio mas totalmente entusiasmados com todos os monumentos e toda a história que aquela cidade respira. E, sempre que alguma situação era um pouquinho mais hard core, ríamos. As risadas foram nossa principal ferramenta para lidar com o susto do diferente, porque ríamos de nós mesmos, das nossas dúvidas e medos, porque as gargalhadas transformavam essas apreensões em coisas mais simples, mais digeríveis. Estávamos lá, afinal de contas: poderíamos lidar com qualquer coisa e nos recusávamos a ficar de ovo virado. Onde já se viu, mal humor numa viagem dessas? Nem pensar!

No último dia em Berlim deixamos o quarto número 6 cedinho na manhã. Caminhamos pela rua que com a luz do sol era muito menos assustadora que de noite. Depois de um último passeio, pedimos um Uber do restaurante desse hostel pouco comum e nos preparamos para voar a nosso próximo destino, Roma. Sim, Berlim foi um destino curioso. Do que eu mais lembro são as risadas, a cerveja barata e o frio constante, três coisas que estiveram presentes nesses três dias desbravando a capital alemã.

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Regiane Folter
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