Saudades dos tempos da VARIG

Gilberto De Martino
Revista Passaporte
Published in
3 min readMar 25, 2018
Uma das últimas versões do logotipo da VARIG (com manipulação digital do autor)

Era uma época de poucos viajantes. Aeroportos ainda não eram as rodoviárias e os shopping centres de hoje. Longe de ser um fenômeno apenas brasileiro. É assim em todo lugar.

Peraí.

Antes que algum petista desalmado me acuse de burguês aristocrático, elitista asqueroso — coisas que não sou — quero celebrar que conseguimos dar maior acesso a todos aos mais modernos sistemas de mobilidade e ao turismo. É um indicador de progresso.

Essa pequena crônica não é nada relativo a esse tipo de saudosismo.

Leiam um pouco mais. Não me abandonem ainda.

Quero falar das minhas saudades de algo mais prosaico e singelo.

Como eterno bolsista de CAPES e CNPq que sempre fui, era de VARIG que viajávamos. Era a única companhia autorizada a nos transportar. Submetíamos à sua logística não importava qual fosse. Quem saía de São Paulo, tinha que passar pelo Rio para quase tudo, até alfândega. Trocar de avião. Esperar e esperar. Foi assim durante um bom tempo.

E nem é propriamente da VARIG que tenho saudades. Não é esse ainda o foco aqui.

A verdade é que sinto falta daquela voz suave e aspirada da Iris Lettieri que me encantava toda vez que passava pelo Galeão. (Sei que muitos já escreveram sobre isso. Não tenho a intenção de ser original nesse meu registro!). Tenho é saudades daquela voz anunciando os voos de modo lento, cadenciado, suspirado. Me acalmava.

A experiência de hoje é muito diferente. Impossível não dar-se conta do enorme contraste sonoro que criamos. Nossa versão tabajara de parir na marra as ampliações amarfanhadas e superfaturadas dos nossos aeroportos para a Copa e Olimpíadas descuidou da capacitação dessa mão de obra auditiva. Coisa tão singela, não é mesmo?

Hoje vozes estridentes gritam os números e destinos dos voos, portões de embarque, nomes dos retardatários. Vozes nervosas, irritadas muitas vezes, descompassadas, sem nenhum charme.

Hoje vejo à minha frente um exército de Minions que corre de lá para cá. Alguns com uniformes (os de preto-laranja sempre me chamam atenção), outros são os passageiros mesmo. Sem poder despachar bagagens, eles desfilam suas malas de rodinhas e atropelam quem estiver pela frente. Atulham as filas de entrada dos guichês e depois vão espremer todo mundo nos reduzidos compartimentos disponíveis dos aviões. Muitos perdem a paciência de cara. Esse visual cansa e acrescenta ao estresse auditivo.

Sei que minhas reclamações não mudarão nada nos nossos aeroportos, principalmente naqueles que frequento. Sei que essa pequena crônica ainda vai irritar os mais politicamente corretos que eu.

Apenas queria registrar o saudosismo nostálgico das esperas dos meus tempos juvenis no aeroporto do Galeão. Era tão bom me deixar levar pelas fantasias e ginásticas mirabolantes inspiradas na voz quente e sedutora da Iris daquele tempo. Era uma voz que acalmava o meu estresse das esperas e das longas horas de voo.

Mudamos todos, eu a Iris e os aeroportos.

Visitamos agora grandes centros de compras (vende-se até carros) onde em uma ponta estão os portões de embarque para os aviões. O caminho é enorme e longo até eles. É uma constante competição pela atenção dos passageiros durante todo o trajeto.

Agora tenho que submeter meus ouvidos a essa tortura estridente e incansável de vozes de todos os timbres, acentos, sem compasso, cadência e melodia.

Chega de reclamar.

Benditos fones de ouvidos e a companhia de meu smartphone. Melhor deixar de lado a memória sonora da voz aspirada da Iris da minha juventude.

Outros tempos.

P.S. Falando em memória auditiva, lembram-se do jingle de natal da VARIG ?

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