Ser mulher e imigrante no Uruguai

Reflexões depois de entrevistar sete mulheres imigrantes vivendo em Montevidéu

Regiane Folter
Revista Passaporte

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Photo by Artem Kovalev on Unsplash

Sou natural de São Paulo, mas há cinco anos me mudei para Montevidéu, Uruguai. Assim como eu, muitos imigrantes de vários países do mundo vieram a esse país latino-americano buscando um lugar para recomeçar. Nos últimos quatro anos mais de 50 mil residências foram concedidas a estrangeiros que decidiram se estabelecer no Uruguai. Em um país de mais ou menos 3.5 milhões de habitantes, isso é um montão.

Em meu tempo aqui tive a sorte de conhecer e trabalhar com mulheres de outros países que também haviam vivido um processo de imigração. Recentemente, relatei as histórias de sete dessas mulheres em uma série de matérias para a revista Harta, uma revista uruguaia para adolescentes. Em cada reunião com minhas entrevistadas escutei diferentes razões para migrar, dificuldades enfrentadas e experiências vividas (você pode conhecer essas histórias aqui).

Depois de conhecer as jornadas dessas sete mulheres muito distintas, além de conhecer a minha própria aventura, todas identificamos alguns aspectos em comum em nossas mudanças à Montevidéu:

O uruguaio é um bom anfitrião

Por mais difícil que seja mudar-se a um novo país e as saudades de tudo que era conhecido e querido, no Uruguai contamos com uma boa acolhida. Pelo menos no nosso caso foi assim. Os uruguaios são amáveis por natureza e se preocupam por ajudar quem necessita. Também são curiosos e gostam de conhecer pessoas de novas culturas — quando reconhecem meu sotaque já começam a fazer perguntas! Algo parecido acontece com Tiana, que fala um espanhol impecável, mas graças ao seu sotaque e aparência é fácil reconhecer que veio de outro lugar. “Obviamente sempre me identificam como ‘gringa’, mas mesmo assim me senti muito bem recebida”, diz ela, que nasceu na Alemanha.

Para a inglesa Karen, outro aspecto valioso está nas muitas diferenças entre a sociedade uruguaia e a de outros países como os Estados Unidos, onde ela morava antes de se mudar. A decisão de sua família em vir para cá se motivou principalmente pela vontade de sair de uma sociedade tão centrada no consumo.

“Amo que as pessoas aqui preencham seu tempo com amizades, família ou em atividades criativas ao invés de fazer compras o tempo todo.”

É importante aprender espanhol

Tiana desenvolveu muito mais seu espanhol estando aqui, assim como Gauthami, que veio da Índia. Para mulheres como elas, de países onde não se fala espanhol, o inglês não é uma opção muito eficiente. Embora se comuniquem em inglês com algumas pessoas e especialmente Gauthami trabalhe nesse idioma, aprender espanhol foi crucial para que pudessem se acomodar e fazer as coisas simples do cotidiano, como ir a um supermercado ou um café, fazer amigos e outras coisas. “Durante o voo de vinda percebi que ninguém falava inglês, foi um choque enorme! Eu não conseguia me comunicar com ninguém”, conta Gauthami.

Pessoas com maior nível de instrução e principalmente os profissionais de indústrias relacionadas à exportação costumam falar inglês, mas no dia a dia e na maioria dos ambientes o espanhol (e não qualquer espanhol, mas o rio-platense) é a língua universal por aqui.

Conseguir trabalho está muito relacionado com a sua rede de contatos

Algumas de nós chegamos a Montevidéu com trabalho garantido, mas outras tiveram e ainda têm o desafio de encontrar emprego estando aqui. Existem portais de trabalho, mas nem sempre é fácil conseguir algo sem os contatos certos. Pelo menos essa foi minha experiência e também a de Carolina, Sheila e Viviana: todas contamos com ajuda de conhecidos para conseguir uma chance. “Quando você começa a tecer uma rede de contatos com pessoas que se movem na tua área é mais fácil encontrar coisas. Mas é preciso se mexer, isso com certeza”, diz Sheila, natural de Espanha.

Para a argentina Carolina, a experiência de conseguir um trabalho foi frustrante: ela mandou currículo através de vários portais laborais a dezenas de oportunidades, mas obteve pouco retorno.

“Ainda não entendo bem porque foi tão difícil. Por um lado é um país no qual pesa muito sua rede de contatos. Além disso, não sei se essas plataformas laborais são usadas pelos dois lados ou somente do lado do candidato.”

A dificuldade de encontrar trabalho mais o fato de que o Uruguai é um país de custo de vida elevado pode ser um problema para os imigrantes. “Aqui tudo é muito mais caro que no Perú. Só me mudei realmente porque consegui um trabalho, mas quando cheguei não tinha nada. Só um colchão no piso e a televisão!”, conta Vanessa.

Legalizar sua situação no país é um processo lento, mas possível

O Uruguai é um dos países que tem a legislação mais universal no que diz respeito aos imigrantes. Segundo a lei n. 18.250, qualquer pessoa de outro país que chegue aqui tem os mesmos direitos à saúde, educação, trabalho, entre outros, que um uruguaio. Na prática, para ter acesso a muitos desses direitos é fundamental legalizar a situação no país como estrangeiro. Para isso, todas nós tivemos que passar por um processo burocrático para conseguir a residência legal, que é basicamente um documento que afirma que estamos residindo no Uruguai e com ele podemos obter a cédula de identidade uruguaia.

Dependendo da onde você é, o processo pode ou não ser mais simples. Por exemplo, para pessoas vindas de países do Mercosul é menor a quantidade de documentos que precisam apresentar. De qualquer forma, seja qual for teu país de origem, o trâmite demora. Isso porque como qualquer bom país latino-americano, os processos estatais são lentos. Além disso, nos últimos anos o Uruguai tem recebido o dobro e às vezes até o triplo de solicitações de residência. Para Viviana, que organizou sua vinda da Venezuela ao Uruguai, é preciso dar início ao trâmite com antecedência.

“Quem quer se mudar deveria procurar datas disponíveis no site do Ministério de Relações Exteriores com tempo e preparar a documentação antes de viajar para levá-la, especialmente antecedentes penais e certidão de nascimento.”

Mais progressista no discurso que na prática

Antes de me mudar para Montevidéu, me lembro de ver numa importante revista internacional que em 2013 o Uruguai era o país do ano, devido principalmente às leis progressistas que haviam sido aprovadas aqui como a legalização do aborto e do consumo de marihuana. Para muitas de nós, a visão que tínhamos do Uruguai antes de chegar girava ao redor desses grandes avanços e da imagem de vanguardista. Porém, quando desembarcamos, percebemos que nem tudo é tão assim.

Sim, o Uruguai conta com leis muito mais inclusivas que vários países do continente. Mas na prática nem sempre essas leis são bem implementadas ou totalmente aceitas pela população. Durante as entrevistas, todas nós estavamos de acordo que o Uruguai ainda é um país machista, com vários preconceitos e visões tradicionais que necessitam se modernizar. “Não é que nós como mulheres não tenhamos voz, mas nossa voz não é 100% reconhecida. Acredito que aqui estamos vivendo um período de transição entre a situação onde estávamos e vamos em direção a uma realidade melhor”, explica Carolina.

Uru…que?

Para nós que vivemos na América Latina é fácil reconhecer o Uruguai como um país da região, mas para outras pessoas nem sempre é assim. Na primeira vez que escutou sobre a oportunidade de ser transferida à sucursal de Montevidéu pela empresa onde trabalha, Gauthami estava em dúvida sobre a localização exata desta capital. “O primeiro que pensei foi ‘onde fica o Uruguai?’ haha! Primeiro pensei que era na África, acredita?”, comenta.

Karen está em contato constante com turistas porque é dona de uma pousada e se dedica a dar dicas e sugestões do que fazer no Uruguai em seu blog. “Nossos hóspedes são geralmente dos Estados Unidos e Europa, e nos dizem que é quase impossível encontrar informação atualizada sobre o Uruguai antes de chegar. Foram eles que me incentivaram a criar meu blog”, conta ela, que hoje recebe mais de 200 mil visitas anuais em seu portal.

Próximos passos no paisito

Quando perguntei a essas sete valentes imigrantes seus planos para o futuro, algumas não sabiam se seguiriam no Uruguai por um tempo indefinido, outras estavam certas de que sim. Duas delas inclusive já não vivem mais aqui. Seja qual seja o destino de cada uma de nós, estamos de acordo que nosso tempo aqui nos mudou para sempre.

“Aprendemos e incorporamos coisas da cultura do país em que estamos e nossos costumes começam a se misturar. Chegamos a um ponto no qual não sabemos bem onde começa uma coisa e termina outra!”, resume Carolina.

Além dos aprendizados que tivemos e dos novos comportamentos que adquirimos, também acreditamos que estamos compartilhando nossos costumes com a sociedade uruguaia. “Acho que é bom que o Uruguai siga recebendo imigrantes para que se expanda e enriqueça sua cultura. Para que vejam que há muito mais além do Rio da Prata”, finaliza Viviana.

Karen (Inglaterra), Carolina (Argentina) e Tiana (Alemanha)
Gauthami (Índia), Viviana (Venezuela) e Vanessa (Perú)

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Regiane Folter
Revista Passaporte

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