Sobre largar tudo e começar a vida do zero

Leticia Melo
Revista Passaporte
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3 min readMay 20, 2018

Eu nasci e cresci na mesma cidade, que mesmo que fosse grande, parecia ser do interior. Eram sempre as mesmas pessoas, as mesmas normas sociais e meu futuro parecia certo.

Só tinha que seguir meu destino pré-determinado, me formar na excelente faculdade, continuar a namorar aquele cara (que era igual a todos os outros caras da cidade), começar a ir na igreja e aceitar que aquela seria minha vida.

Não parece nada demais, certo? Só precisa fazer tudo certo e não reclamar. Não pensar fora da caixinha e nunca, jamais, sonhar alto demais. Mas o que aconteceu com todos os sonhos que eu costumava ter?

Você já se pegou olhando pelo horizonte pela janela do carro, quando seu carro está parado numa fila gigante de engarrafamento? Todos os dias úteis, a ir e voltar do trabalho ou da faculdade, lá estava eu. Junto a mais centenas de pessoas cansadas, num mar de carros, irritados e insatisfeitos. Lembro quando, num belo dia, isso começou a me preocupar.

E se eu ficasse presa naquele lugar para sempre? E se eu envelhecesse e me tornasse uma daquelas pessoas? E se eu me tornasse quem as pessoas esperavam que eu fosse??? Que pesadelo!

Tinha passado tanto tempo tentado ser o que as pessoas esperavam de mim. Me adequar ao que todos achavam correto ou bonito. Mas nem sempre aquilo correspondia com quem eu queria ser, com quem eu era. E me privar de mim mesma, dos meus sonhos, por pessoas que eu detestava?

E pensei: vou sair daqui! Não vou mais viver nessa cidade!

Mas claro que todo mundo pensa isso de vez em quando.

Vou largar tudo e começar a vida do zero em outro lugar! Um lugar bem longe, muito lindo! E lá vai ser tudo muito melhor que aqui!

Alguma coisa dentro de mim me fez não desistir de sair daquela cidade. Em meio a tantos problemas pessoais, a tanta gente importante para mim dizendo para não ir. Para ficar lá.

Se eu ficasse lá, uma pequena parte de mim morreria. Eu nunca mais acreditaria em mim mesma, nunca descobriria meus talentos, nem conheceria os lugares e as pessoas que conheci.

Larguei tudo e comecei a vida do zero

Tranquei a faculdade que tanto detestava, larguei o emprego que me sustentava, me desprendi da família, disse até logo aos meus melhores amigos. Saí sozinha da única cidade em que tinha vivido para morar em outro país, construir a vida do zero.

Até o momento em que o avião pousou em Portugal, pensava que algo ainda iria me impedir de chegar à minha nova casa. Mas cheguei, descansei, respirei. Respirei fundo o cheiro do mar, uma brisa de liberdade.

Comecei a estudar aquilo que sempre quis, a comunicação. Conheci gente do mundo inteiro, comemorei, me apaixonei, estudei, trabalhei, ralei, chorei, me orgulhei. Vivi como nunca tinha vivido toda a minha vida!

Não sou mais a mesma pessoa que era quando morava na minha cidade. Também não serei a pessoa que seria se tivesse continuado lá. Daqui pra frente não sei como eu serei. Será uma surpresa.

Nem tudo foi fácil, mas podemos fazer tudo. Superar o cansaço, o preconceito, as nossas próprias limitações e defeitos. Já senti muita falta da facilidade que tinha na minha cidade, da comida da minha vó, dos abraços do meu irmão, das gargalhadas com meus melhores amigos. Sinto falta de dirigir nas ruas da minha cidade, de ouvir o meu próprio sotaque.

Mas não trocaria por nada as experiências que ganhei e as lições que aprendi. Porque agora, sou eu quem está fazendo a vida. Em breve retornarei à cidade da qual saí, mas só para dizer olá e até logo.

Desde aquele dia no engarrafamento até hoje, não me arrependo de acreditar em mim mesma, e por que não, de acreditar nos meus sonhos. Até agora tem dado tudo certo.

A vida é aquilo que nós fazemos dela. Vamos fazer dela um grande filme de aventura, com romance, comédia e uma pitada de drama.

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Leticia Melo
Revista Passaporte

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