Staycation ou microaventura: o espontâneo não se vende!

Nivea Atallah
Revista Passaporte
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3 min readJun 14, 2020

Junho de 2020. Nessa quarentena comecei a perceber por meio de 'lives’, webinários e artigos a valorização de um movimento chamado de staycation, conhecido também como microaventura ou turismo de proximidade. Trata-se, em princípio, de uma questão filosófica: pra viver uma experiência intensa é preciso realmente partir ao outro lado do mundo? Ou isso pode ser feito, sei lá, até em nosso quintal?

A aventura pode estar no seu quintal (arquivo pessoal)

Em tempos de Covid essa teoria cai como uma luva, não? Afinal, as viagens e descolamentos estão restritos e as pessoas ficarão sem dinheiro devido à crise econômica. Dito isso, o discurso convém, mas é preciso tomar cuidado com quem quer ‘glamourizar’, empacotar e vender o trivial. O espontâneo não se vende!

A ideia de microaventura foi popularizada pelo britânico Alastair Humphreys. Segundo ele, a microadventure é uma experiência curta, simples de organizar, próxima de casa e barata. Ainda assim, é revigorante. Pode ser uma trilha no fim de tarde, uma visita ao museu na hora do almoço, um fim de semana de escapada nos entornos da cidade. Não depende de férias, não depende de dinheiro.

Você provavelmente já fez coisas desse tipo. Eu também. Então, há necessidade de rotular? Falar em staycation ou microaventura não é simplesmente querer empacotar nossa espontaneidade?

A resposta não é simples. Na correria do cotidiano a gente se esquece que é possível desestressar sem ter que traçar mil planos de roteiros e gastar o dinheiro que a gente não tem pra fazer uma viagem mirabolante ao outro lado do planeta. As vezes bastaria olhar em volta e valorizar o que está próximo. Preocupar-se menos com imagens e destinos ‘instagramáveis’ e mais com nossas próprias necessidades.

Uma história que li é do trabalhador francês que decidiu ir acampar, mesmo sem estar de férias. Ele ia todo dia pro trabalho, mas em vez de voltar pra casa ia pra um camping. Ficava lá de boas, olhando as estrelas etc... Microaventura!

E a história da mãe que na sexta-feira ao voltar do trabalho levou os filhos pra subir a colina próxima de casa. Um piquenique organizado de última hora que custou o valor de uma pizza. Staycation!

Na época do meu primeiro estágio o colega da informática vivia ganhando bronca. Ele surfava na hora do almoço! Como não tinha onde tomar banho voltava pro escritório com a bunda molhada e sujava a cadeira. Microaventureiro!

E vamos além. A microaventura agora se inspira num movimento de viagem mais ecológica, menos poluente - sem necessidade de pegar avião ou fazer grandes trajetos de carro. Usar mais nossos pés, a bicicleta e viajar local seriam formas de militar na questão da mudança climática. Um retorno à natureza de maneira respeitosa. Viajar pode (e deve) ser um ato político.

Enquanto estilo de vida acredito que seja válido. É uma estratégia de motivação. Vamos redescobrir nossa cidade, nosso país, viajar com consciência ecológica. Voltar a se surpreender com o simples.

Por outro lado, acho que devemos ficar com um pé atrás do marketing feito em torno desse assunto. Consumo não combina com microaventura. Staycation não envolve comprar.

Não vamos deixar que comercializem nossa espontaneidade!

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Nivea Atallah
Revista Passaporte

Jornalista formada pela UFRJ, morei um ano em Barcelona e quase quatro na França. Agora, bacharel em Direito. Viajante desde sempre!