Supertramp acertou, felicidade só é real se compartilhada

Sandy Quintans
Revista Passaporte
Published in
4 min readSep 5, 2018
Illustração incrível por Hermosilla

“Happiness is only real when shared”

Essa frase corre o mundo tornando Na Natureza Selvagem uma das obras mais conhecidas para aqueles que assim como eu, acha que a vida lá fora tem mais graça. Apesar disso, nunca realmente me identifiquei com as motivações de Alexander Supertramp pra largar tudo e se enfiar no isolamento do Alasca, ainda que goste da história dele em partes. Conhecer a história da mulher que atravessou o deserto na Austrália sozinha e da mulher que encarou uma trilha que atravessa os Estados Unidos pra salvar a vida mudou as minhas perspectivas em relação a ele. Mas essa frase tem me perseguido e de alguma forma me conectado com Supertramp.

Quando Christopher McCandless decidiu virar Alexander Supertramp ele não sabia realmente o que significava abdicar o que ele tinha sido até ali. Mas o mundo é uma imensidão solitária, que cobra coragem quando a gente não tem. É por isso que a vida adulta é assustadora.

Já no início do meu intercâmbio, lá no ano passado, eu sabia o que ela significava: que parte da graça de realizar o sonho de conhecer um lugar novo e entender outra cultura estava em compartilhar essas experiências com as pessoas mais importantes pra você. Eu tive sorte, claro, de ter a maior companhia da minha vida nessa jornada, porém ainda há uma parte de mim que nunca está presente.

Eu sou uma pessoa da internet, que adora estar nas redes sociais e que absorve uma infinidade de conteúdo por aí, mas eu não sou uma pessoa compartilhadora. Por aqui, vai descobrir uma dezena de coisas sobre a minha vida, mas vamos dizer que isso não é nem a metade do que eu sou ou das experiências que eu vivo. O sentido de compartilhar pra mim não está muito conectado com as redes, mas sim, em estar junto daqueles que fazem parte da minha vida.

Eu não sou boa em manter contato e não lembro de ter sido um dia. E as primeiras experiências de ter um celular pra levar o que estava vivendo na Irlanda até o Brasil me frustraram. Nada daquela coisa de mandar mensagens funcionava da mesma forma que uma roda de conversa com a família, rindo das experiências loucas e fazendo piadas sem sentidos.

Muita gente fala da solidão no intercâmbio, mas é um conceito difícil e complicado de entender, porque a gente se sente sozinho quando estamos acompanhados. Não é se sentir solitário pela falta de alguém pra conversar, afinal tem sempre um pessoa nova pra conhecer, no trabalho, nas ruas, na escola. E também tem o fato de que a conexão entre dois intercambistas é quase que instantânea, já que não importa qual tenha sido a sua experiência nas últimas semanas, você simplesmente entende o que aquela pessoa passou só pelo olhar a uma balançada de cabeça.

Mas eu lembro que nos meus primeiros meses cada coisa que eu vivia eu pensava em alguém próximo a mim, imaginando o quanto aquela pessoa iria gostar de ver aquilo. Eu queria levar cada pessoa da minha família e amigos pra uma caminhada pela cidade só pra dizer: “você vai amar muito isso, espera só pra ver. Eu me tornei uma amante das famílias que viajam juntas, por vê-los compartilhando um momento.

Cada experiência nova vem com um misto de gratidão com frustração. De alguma maneira, que eu não sei bem como, eu gostaria que mais pessoas pudessem olhar aquilo que achei maravilhoso também. Eu sei que não é como o mundo funciona, mas eu realmente queria que todo mundo pudesse viajar, estudar um novo idioma, entender como outras culturas funcionam. Mas eu sei que pra muito de nós muitas das coisas não vão deixar de ser apenas sonhos. E eu acho que essa é minha versão da síndrome do impostor, mesmo sabendo que nada tenha sido fácil.

É verdade também que foi por aqueles que ficaram no Brasil que tiro a vontade e a energia pra aproveitar o máximo que eu posso de cada nova experiência — mesmo que assustadora. Eu sei muito bem que se não fosse por cada pessoa que me ajudou de qualquer forma, ainda que com uma palavra de incentivo, é que eu pude realizar um sonho. Sair de casa não é um sacrifício individual, mas de todos aqueles que a gente faz parte da vida. São dezenas de momentos em que você não esteve lá também. E isso é uma coisa louca, não é?

Se a vida não está do jeito que a gente espera, é neles que eu penso pra levantar da cama. Meu compromisso é me tornar um pouco maior a cada dia, pra oferecer uma versão melhorada daquilo que eu sou. A gente merece e o mundo também. Pode parecer que a gente tá sozinho, mas há um pedaço de cada pessoa que cruza a nossa história dentro de nós.

Pra quem você dedica o dia de hoje?

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Sandy Quintans
Revista Passaporte

Jornalista, que viveu em Dublin por dois anos e que encontrou na internet um espaço pra ser ela mesma. Reside no planeta terra since 1990.