Tempo que vai, tempo que fica

Viver em outro país é como brincar com os limites do tempo

Regiane Folter
Revista Passaporte
3 min readMay 16, 2020

--

Photo by Priscilla Du Preez on Unsplash

Enquanto vivo minha vida em um novo lugar (que já tem gostinho de lar para mim), na terra natal a família, os amigos, tudo que um dia eu conheci e me é familiar, também continuam avançando. A diferença é que parece que do lado de lá tudo acontece muito mais rápido, uma espiral de acontecimentos em que as pessoas que amo estão passando por grandes coisas e muitas vezes não sou parte delas.

Casamentos, aniversários, reuniões familiares, despedidas, novos inícios, conquistas de todo tipo, ou apenas um domingo de maratona Netflix… Sempre há algo acontecendo e minha única opção é acompanhar o turbilhão de novidades pelos áudios no Whats App ou conversas via Skype.

Mas eu não deveria estar reclamando, né? Afinal de contas, fui eu que escolhi estar longe. Fui eu que troquei minha agitada São Paulo pela pacata Montevidéu. E se você me perguntar se eu voltaria, se depois de quase seis anos (and counting!) morando aqui eu cogitaria voltar a viver lá, não sei o que responder.

Porque aqui do meu lado a vida também está passando. Meu plano inicial lá em 2014 era somente ficar por um ano, e depois voltar. Mas um ano logo virou dois e logo virou indefinido. Fui construindo raízes com cada nova decisão, com cada nova responsabilidade. Hoje, tenho laços aqui, pessoas que adoro, coisas que amo fazer, oportunidades reais de ser quem quero ser. Por lá, seria um recomeço. Aqui, cresço. Somente lamento a distância, o fato de não poder estar com todas aquelas pessoas queridas que, embora não possa ver todos os dias, sigo desejando que sejam parte da minha vida.

Será que eles percebem o quanto fazem falta? Pra eles, não mudou tanto assim. Ainda possuem tudo que para eles é familiar. Somente a minha realidade deu cambalhota, só eu sei o que é estar completamente só num lugar totalmente desconhecido. Por isso, enquanto eles sentem saudades de mim, eu sinto saudades de tudo.

Das vozes, dos rostos, das expressões e rugas e sardas, da brisa, do gosto da comida, do gosto do tempero, dos ruídos da cidade grande, da música tocando no fundo, das paisagens, de tantos detalhes que a gente nem sabe que existem até não poder tocar mais.

Quero estar lá nos momentos especiais ou banais. Simplesmente estar. E quero que estejam aqui para mostrar a eles o meu novo mundo. Levá-los aos meus lugares favoritos. Compartilhar minha vida.

É engraçado porque até que viajo bastante para o Brasil. Sempre que vou até a casa onde cresci e entro no meu quarto de menina, parece que o tempo para. Mamãe deixou boa parte das coisas no mesmo lugar; o mesmo espelho repleto de adesivos, o poeminha que eu colei na porta do armário. As mesmas roupas velhas conhecidas e bichinhos de pelúcia, a escrivaninha onde me matei de estudar pra passar no vestibular. Quando aquele mundo era meu mundo, eu nem imaginava que o tanto que me esforcei para entrar na universidade seria o primeiro passo para colocar cada vez mais horas e quilômetros entre aquela casa de infância e minha casa de adulta.

Enfim, esse é só um desabafo. Viajeiros entenderão. A verdade é que não me arrependo de nada e não mudaria nada. A realidade ainda é melhor que o faz de conta e, ao invés de sonhar acordada, prefiro ficar com o que é real. Com os abraços apertados no aeroporto. Com o sabor da minha comida preferida nos reencontros. Com a beleza de redescobrir, nas idas e voltas, as belezas dos meus dois lares. E com a gratidão de poder ter tantos abraços, aqui e lá.

--

--

Regiane Folter
Revista Passaporte

Escrevi "AmoreZ", "Mulheres que não eram somente vítimas", e outras histórias aqui 💜 Compre meus livros: https://www.regianefolter.com/livros