Vista da praia em Miraflores, Lima

Turista em quarentena: como vivi o lockdown em Lima, no Peru — parte 1

Taynara Gregório
Revista Passaporte
Published in
5 min readMay 17, 2020

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O carro se dirigia ao terminal rodoviário Cruz del Sur quando ouvi no rádio as palavras “estado de emergência”. Eu havia chegado em Lima, capital do Peru, há menos de 48 horas e estava a caminho da compra de passagens para a cidade de Ica, que fica há 300 km da capital, que eu visitaria no dia seguinte.

Agucei os ouvidos para prestar atenção no que a rádio dizia mesmo sem entender bem espanhol — meus conhecimentos da língua se limitam ao que vi em séries no Netflix. Era noite de domingo e Martín Vizcarra, presidente do Peru, havia decretado estado de emergência por causa do coronavírus e todas as fronteiras se fechariam às 23h59 da segunda.

Tentei não desesperar. O que aquilo significava para mim?

Sem saber bem responder à essa pergunta, segui para o terminal e comprei minhas passagens depois que a atendente me confirmou que os ônibus operariam normalmente. Voltamos para Miraflores, o bairro onde estávamos hospedadas e fomos jantar. Apesar do grande movimento no Parque John Kennedy, um dos pontos turísticos de Lima, existia uma sensação estranha no ar. Entramos em um restaurante e pedimos macarrão enquanto na TV o noticiário dava mais informações sobre o recém decreto do presidente. Na volta para o hostel, após o jantar, encontramos um casal de amigos que conhecemos no voo de ida para o Peru. Conversamos brevemente sobre a situação mas como não sabíamos muito sobre a situação, trocamos telefones e alí começou uma rede de apoio.

No dia seguinte, acordamos praticamente com a TV ligada nos jornais matinais. Ainda não tínhamos contado para ninguém aqui no Brasil sobre a situação, já que nem a gente mesmo sabia o que estava acontecendo. Tomamos café enquanto discutimos os próximos passos. Vamos para Ica? Ficamos?

Resolvemos, então, ir para a Embaixada do Brasil no Peru. No caminho, notei que a cidade já estava vazia. Ao chegar lá no prédio da Embaixada, não conseguimos nenhuma informação além daquilo que já sabíamos, mas a recomendação era encontrar um lugar para ficar, comida e esperar mais instruções. Só então, caiu minha ficha: eu estava presa no Peru, no meio de uma pandemia, com minha irmã, durante as férias que eu planejei por meses.

Aqui, uma contextualização: quando viajei, o número de casos no país peruano era menos de 70. No Brasil, eram por volta de 150. Era um cenário que começava a preocupar, mas nenhum país da América Latina estava tomando medidas quanto a isso. No final de semana que cheguei em Lima, os casos na Itália começaram a atingir números assustadores e só então o país italiano fechou suas fronteiras.

Andando por uma das principais avenidas da cidade, o cenário ficava mais assustador à medida que o dia ia se estendendo: lojas de companhias áreas com dezenas de turistas esperando (que logo se dissiparam quando, no início do horário comercial, foram informados que não haveria atendimento presencial), diversos comércios fechados e filas gigantes para os supermercados. Traçamos um plano: encontrar um hotel para ficar, já que o hostel não tinha tanta infraestrutura assim (considerando o cenário), trocar dinheiro e comprar comida.

No caminho de volta para o hostel, depois das compras, passamos pelo Parque John Kennedy. Em um só quarteirão, fomos paradas três vezes por militares com armas gigantescas nos braços. Para onde estão indo? Por que estão na rua? Cadê as máscaras? Mostramos nossos passaportes e eu tentava, dando meu melhor no espanhol, explicar que tínhamos indo à embaixada.

Conversamos com diversos turistas de todos os lugares do mundo no hostel e todos estavam desesperados. Não havia voos mais para aquele dia, ninguém sabia direito o que fazer e nem o que esperar. Nem mesmo os peruanos sabiam o que fazer. Essa também foi a situação que encontramos quando fomos para o hotel onde reservei um quarto para dois dias. A estadia incluia café da manhã e um quarto com uma mini cozinha. Por causa da quarentena, o hotel iria oferecer almoço também.

Depois de deixar as malas no quarto, fui ao supermercado sozinha comprar mais alimentos. Os supermercados já estavam começando a colocar em ação suas medidas de segurança, controlando as entradas e oferecendo álcool em gel nas portas. Na volta para o hotel, senti medo. E se algum policial me parar? Como vou conseguir voltar para o Brasil? E mais: quando?

Enquanto isso, meu celular se enchia de mensagens de um grupo recém criado para brasileiros no Peru. Muitas pessoas estavam em Cusco, cidade no interior do Peru que fica perto do Machu Picchu, e não tinham como ir até Lima — a única cidade com aeroporto internacional. Outros estavam em cidades ainda de mais difícil acesso.

À noite tomamos uma cerveja para relaxar. E assim começou minha semana de quarentena no Peru.

A rotina foi, todos os dias, basicamente a mesma. Acordar, tomar banho, tomar café, ficar no terraço um pouco para tomar sol. Quase nunca chove em Lima e naquele final de primavera, todos os dias eram lindos. Durante o início da tarde, eu ia pro quarto, fazia algum tipo de exercício físico e almoçava. O sol se punha e eu abria uma cerveja ou vinho e, eventualmente, me dirigia para a parte externa no lobby do hotel.

Nos espaços comuns, sempre conversava com um ou outro turista também preso alí. Até o final da minha estadia, eu já conhecia todo mundo que estava hospedado junto comigo: as amigas canadenses, a mãe russa e sua filha, o programador grego e o americano que estava sozinho.

No final do dia, voltava para o quarto e jantava o que tivesse disponível de comida no dia. Tentava ver algum filme ou falava com algum amigo ou familiar e dormia. De alguma forma que até hoje não descobri muito bem como, consegui me manter tranquila durante toda essa situação de incerteza, medo e confusão.

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Taynara Gregório
Revista Passaporte

Jornalista e comunicadora | “Escrevo como quem manda cartas de amor”