Um romance alemão em três atos

Thais Martinho
Revista Passaporte
Published in
8 min readJun 27, 2018

Ato I: encontros e desencontros

Hamburgo, 12 de junho de 2015

Era meu terceiro dia em Hamburgo e já tinha andando a cidade toda, ido na festa de abertura da Copa do Mundo Gay de Futebol com o Hannes, meu companheiro de quarto do hostel e agora já estava na hora de conhecer alguém local e hétero. Tinha assistido Antes do Amanhecer antes de viajar e estava nessas de viver um romance internacional, mas como na era do Tinder as pessoas não se conheciam mais no trem enquanto liam um livro, apelei para o método mais simples.

Havia combinado de encontrar com o Bennie, um dos meus matches do Tinder — loiro, barbudo, bem meu tipo — na Reeperbahn, perto de onde eu estava hospedada, no final daquela tarde. Ele me avisou quando estava saindo do trabalho e disse que chegaria em casa e tomaria um banho e me avisaria novamente quando estivesse saindo para me encontrar. Tomei um banho também, me vesti, passei maquiagem (não muita, para não parecer que tinha me empolgado demais) e fiquei esperando sua mensagem. Que nunca veio. Depois de um tempo eu mandei mensagem e nada de resposta. Teria Bennie morrido eletrocutado no chuveiro? Sido atropelado a caminho de casa? Descoberto meu Facebook e visto alguma foto em que fui marcada e estou deformada? Mais tarde descobri que morto ele não estava, porque leu minhas mensagens. Acho que simplesmente ficou com preguiça, desistiu e decidiu não me avisar como o Arschloch que era.

Mas parecia coisa do destino, se é que você acredita nessas coisas, porque foi depois desse bolo que comecei a conversar com o Max. Ele já começou a conversa perguntando o meu signo, que depois fui descobrir que era uma fixação dele.

Touro, respondi. Ele virginiano. Droga, pensei. Signo do meu pai. Não tinha saído de um relacionamento com um cara que me lembrava demais o meu pai (alô, daddy issues!) para entrar em outro. Mas a verdade é que a semelhança terminava por aí. Max era gentil e bem resolvido. Era pianista de jazz, tinha seu trio e viajava por toda Alemanha e alguns outros países da Europa e da Ásia para tocar. Parecia fofo e romântico. Perguntei se ainda dava tempo de encontrá-lo naquela noite. A resposta foi direta: Não, agora não dá mais, você me ignorou a tarde toda. Maldito Bennie! — pensei. Perdi a minha chance, viajaria para Colônia na manhã seguinte.

Foi quando ele me sugeriu uma coisa que me pareceu exagerada: ele iria dirigir quatro horas até Colônia para me mostrar a cidade, afinal ele havia morado lá enquanto estudava piano na universidade. Fiquei sem reação. Pesei os prós e contras. Prós: quero conhecê-lo, ele parece legal, não sei muito sobre Colônia, então no pior dos casos tenho um guia local. Contras: “Turista brasileira é a 13ª vítima de serial killer alemão”. Apesar de tudo, decidi topar. Esclareci alguns pontos antes, porque se não é para estragar o romance, não sou eu: “o fato de você dirigir até lá não é garantia de nada, a gente não se conhece, eu posso não gostar de você, você pode não gostar de mim, ok?”

— OK, eu não estou fazendo nada mesmo e o mais importante é a aventura — disse ele, seguido por algum ditado de auto ajuda que decidi ignorar.

Colônia, 13 de junho de 2015

Cheguei em Colônia de trem, por volta do meio-dia. Sol, céu azul e muito calor. Max também estava chegando, viemos nos falando por WhatsApp. Estava um pouco nervosa e repensando a minha decisão, o que sempre acontece comigo quando o momento se aproxima. Cheguei ao hostel, depois de ter tomado o trem errado e me perdido e desejei não ter nada para fazer naquela tarde. Meu hostel era incrível, o melhor em que já fiquei. Queria tomar um banho, deitar naquela cama, ler o livro do Irvine Welsh que havia comprado naquela viagem e mais tarde tomar uma cerveja no bar. Mas não, tinha inventado de encontrar um maluco que veio dirigindo de Hamburgo para me ver e não parava de me mandar mensagens, todo empolgado.

Obviamente não ia fazer como o Bennie, então tomei banho, me troquei e fui encontrar o Max. Combinamos às 4 da tarde em frente à Catedral de Colônia. Cheguei quase 5 porque consegui me perder num caminho que levaria 15 minutos a pé, mas decidi tomar o tram (aqueles bondinhos de rua, sabe?) para não chegar suada. Estava sem internet e não conseguia avisar que estava atrasada, mas ele ficou lá, me esperando mesmo assim. Fofo ou serial killer? Já iria descobrir.

A Catedral de Colônia, ou Kölner Dom, como é conhecida localmente, foi construída para impressionar. Majestosa, nos sentimos pequenos perto dela. Mas Max não parecia pequeno. Parecia parte dela. Longilíneo, com seus 1,96 de altura, cabelo castanho claro, comprido que se movimentava com o vento. Camisa azul, solta, da cor do céu daquele dia e roupas claras. Gostei. Muito. Já eu, chegava afobada com meus 1,60 (quando estou bem alongada), descabelada, suada, toda de preto e atrasada. Comecei a explicar o motivo ridículo do meu atraso, ele riu educadamente e fomos conhecer o centro antigo, o que foi bem rápido, porque na verdade não resta muito dele. Colônia foi completamente destruída na Segunda Guerra, então é uma cidade moderna. Compramos uma pizza para comer na beira do rio, sentados em um cobertor que ele tirou de uma ecobag (alerta de serial killer, porém ecologicamente correto). Conversamos enquanto olhávamos a paisagem e as crianças e cachorros brincando em volta. Gostava das mãos dele, que se movimentavam delicadamente e eram grandes, com dedos compridos. Também gostava do seu nariz, grande e fino, da sua barba, com alguns fios ruivos e dos seus olhos esverdeados meio caidinhos. Seu inglês com sotaque alemão era fofo e sua risada era grave e alta.

Não queria que o dia terminasse. Pelo jeito ele também não. De lá ele sugeriu ir a uma cervejaria para provar a cerveja local, a Kölsch. Aliás, adorei essa cerveja pois ela está sempre gelada, vem em copos de 200 ml e você toma várias porque ela é mais leve. Da cervejaria fomos a um restaurante japonês (não me pergunte porque fui comer sushi na Alemanha) e de lá surgiu um convite para ir num show em que um amigo dele ia tocar música experimental. Já eram umas 10 da noite e estávamos juntos há 5 horas. Estava narrando quase em tempo real o encontro para duas amigas num grupo de WhatsApp. O status resumido do momento era que não tinha sido assassinada, porém ele também não tinha me beijado.

O local do show era um restaurante, biergarten (claro) e casa de shows. Era bem bonito, com um jardim enorme. Eu já cheguei lá bêbada e as luzinhas do jardim se multiplicavam. Meu corpo formigava e a demora do beijo já parecia uma eternidade. Mesmo assim, continuamos bebendo. Quando ele comentou que a música do amigo dele era experimental, ele não estava brincando. Começou com ele tocando com um velho indiano e terminou com um grupo de maracatu invadindo o palco. Em uma das idas do Max por cerveja uma menina me convidou para sentar com ela. Até a menina que nunca vi na vida foi mais rápida que ele. Já estava de saco cheio. Decidi sair para tomar um ar, não aguentava mais beber. Sentada no jardim, veio um cara falar comigo. Já até comecei a considerar outras possibilidades. Mas não seria esse menino do Afeganistão que parecia ter 17 anos. Nesse momento o Max apareceu com as cervejas. Queria jogar a minha longe, já estava irritada. Eram 4 da manhã. Estava bêbada, cansada, com frio e carente. Comentei apenas que estava com frio e que não aguentava mais beber. Ele colocou o casaco dele nos meus ombros e comentou que sempre quis fazer isso. Quando olhei para cima, ele me beijou. Finalmente. Um beijo que pareceu durar horas. Que fez com que tudo que estava em volta ficasse silencioso. Sentia como se nenhum dos dois quisesse que aquele beijo terminasse e que tivéssemos que voltar à realidade.

Fazia muito tempo que não me sentia assim, então imagine você a minha decepção, quando no dia seguinte ele não deu nenhum sinal de vida. Na noite anterior, quando ele me deixou no hostel, disse que queria muito me ver de novo e que me mandaria mensagem para combinar. Bati perna pela cidade, tentando me conectar em todo e qualquer WiFi que surgia pela minha frente. Nem preciso dizer que não aproveitei muito, né? Colônia não tinha graça nenhuma sem ele. Além disso, era um domingo e tudo estava fechado. E Colônia é meio sem graça mesmo. Fui até a estação de trem e comprei minha passagem para Dresden para a manhã seguinte. Quando voltei para o hostel, no final do dia, decidi mandar uma mensagem perguntando se ele ia querer fazer algo à noite. A resposta foi blábláblá algo nada interessante que ele tinha feito no dia com o amigo dele e que no final das contas tinha decidido voltar para casa e já estava a caminho. Disse ainda que tinha adorado nosso dia juntos, mas tinha medo de se machucar porque sabia que não poderia acontecer muito mais entre a gente, já que eu iria para Dresden no dia seguinte.

Meu coração afundou.

Respirei fundo. Puta da vida, respondi OK, obrigada por me mostrar a cidade e me enfiei na cama para curtir a fossa. Ele mandou outras mensagens que decidi ignorar. Sei que parece ridículo ficar chateada por um cara que só tinha visto uma vez na vida, mas sentia que aquele dia tinha sido especial e me parecia que aquele não poderia ser o fim.

E não era.

Dresden — 15 de junho de 2015

Depois de passar o dia inteiro no trem — acredite se quiser, os trens na Alemanha também dão problema e atrasam e não, esse não é um caso isolado — chego a Dresden no final da tarde, com sede, com fome e precisando de um banho. Assim que faço check in no hostel, me conecto ao WiFi e a primeira mensagem que aparece no meu celular é dele.

— Logo no caminho de volta para casa comecei a me arrepender da minha decisão. Não paro de olhar suas fotos no Facebook e me sinto um idiota. Queria que tivesse algo que eu pudesse fazer a respeito.

— Sim, você foi um idiota. Mas, tudo bem. Agora já é tarde demais, estou em Dresden. — respondi, seca.

— Quando vai para Berlim?

— Em dois dias, por quê?

— Pode não ser tarde demais. Posso te encontrar em Berlim. Se você quiser, claro.

— Você faria isso? — perguntei, enquanto já mandava prints da conversa para as amigas.

— Claro. Não paro de pensar em você.

Havia programado essa ida a Berlim para curtir a cidade sozinha. Ir em brechós, galerias, bares, no museu dos Ramones, tentar entrar na Bergain com o povo do hostel e coisas do tipo. Poderia encontrá-lo nos primeiros dias e depois faria a minha programação. Por fim concordei, já que também não parava de pensar nele.

Berlim, 17 de junho de 2015

Cheguei em Berlim de trem às 2 da tarde. Combinamos de nos encontrar em frente ao hostel onde eu me hospedaria, em Kreuzberg. O hostel era mais longe do que eu esperava e ainda tinha que fazer check in, tomar banho, me arrumar minimamente… Resumindo: novamente o fiz esperar uma hora por mim. Saí, tensa para encontrá-lo no café ao lado, imaginando se desta vez ele tinha desistido.

Não tinha.

Estava sentado, tranquilo, de branco, com um raio de sol iluminando seu cabelo, enquanto segurava uma xícara de espresso. Ele virou para trás e nosso olhar se encontrou.

Sorrimos.

Kreuzberg — Berlim

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