Viagem de foguete em outro mundo

Júlia Palhardi
Revista Passaporte
Published in
3 min readDec 15, 2018
Ilustração: Charlotte Ager

É maravilhoso sair de casa. Conhecer novos lugares, outras pessoas e diferentes realidades. É desafiador sair da zona de conforto, apanhar da vida em outro estado. Saber que logo ali, a umas horinhas de distância, o sotaque soa mais cantado, a chuva cai mais raramente e o sabor do almoço tem gosto de viagem. Viagem de foguete em outro mundo, excursão em outra cultura, mergulho em outro caso. E o passear na rua não é só o simples passear na rua. É andar olhando a arquitetura com a curiosidade e a ousadia de quem admira ou estranha. É respirar e sentir cheiro do que, supostamente, tem que ser sua vida. É a minha vida agora.

Sair de casa é ter a consciência que nem sempre se pode enganar a saudade. Ocupa a cabeça, esconde as fotografias e é só se distrair que… Não. A saudade tem dia e hora marcada. De repente, quando menos se espera, ela bate na sua porta e te derruba. Seja onde você estiver. No banheiro do trabalho, na cantina da faculdade ou no caminho de volta para casa. O choro atravessa a garganta e te impede de segurá-lo.

A rotina, por vezes, torna-se uma inimiga. Entre livros e louças, você escolhe lavar a alma. Há dias em que não dá tempo. Simplesmente não dá tempo. Não dá tempo de cozinhar uma comida saudável, não dá tempo de dormir por oito horas, não dá tempo de ter paz. E então você, incontrolavelmente, acaba acumulando uma carga pesada porém muito satisfatória de um ciclo vicioso e sem fim. Está bom assim. É a vida que você sonhou. Se colocar na balança todas as alegrias e derrotas, os benefícios com toda a certeza pesam mais. E nesse amontoado de trocas interpessoais e vivências casuais, você se vê outra pessoa.

Você se permitiu mudar. Agora você não é como dias atrás. Como horas atrás. Você se redescobre como pessoa, como mulher, como amiga e como filha. Percebe que pessoas já não gostam mais de você, assim, mudada. Mas percebe, também, que teve de mudar para conhecer tantas outras que esperavam, sem perceber, a sua chegada. E você chega trazendo sei lá, alegria, por vezes. Chega, chegando e cantando a música nova que aprendeu. Chega, chega escrevendo o texto bonito que conforta tanto. Chega, chega sorrindo na sua nova casa, na sua antiga casa, na sua futura casa. Mas chega.

E o melhor disso tudo é poder chegar de volta. É o retorno. O voltar ao lar que agora se tornou visita, contudo ainda é o lar que carrega a sua essência. É o lar que tem abraço apertado, cheiro de bolo no forno e cachorro esperando na porta. É o único lar que permanecerá com o amor farto de antigamente. Que te receberá mesmo que esteja assim… diferente. Porque aos olhos deles, nada mudou. E, de fato, o que realmente importa… permaneceu.

10 de outubro de 2017, terça-feira, 05h53, enquanto espero a hora de ir ao trabalho. Não é insônia, só dormi cedo ontem e não posso dormir muito, se não, sabe, a enxaqueca ataca.

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Júlia Palhardi
Revista Passaporte

Fascinada pela arte de ouvir pessoas e transformar as sutilezas do cotidiano, em poesia. Jornalista, escritora, atriz.