Angela Mansim
Revista Passaporte
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3 min readDec 8, 2020

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Quando o que você come, onde você vive, com quem você convive, o que você ama e com o que você trabalha fazem sentido juntos e, provavelmente, só façam sentido juntos deveras. Eis a minha breve sinopse de vida.

Falo isso por motivos de ter, eu mesma, perseguido – com todas as forças – uma vida coesa. De tal maneira que não consigo mais explicar o porquê estou na Ásia sem explicar o porquê de empreender, sem explicar o porquê da praia, sem explicar o porquê de acordar cedo.

As escolhas viram um álbum de figurinhas de maneira que, para completar o quebra-cabeça, é necessário uma jogada inteligente anterior, ou, um verdadeiro cheque-mate.

Pequena, cresci com um pai que trabalhava no mínimo doze horas por dia há trinta anos de camisa social em uma multinacional. O sonho dele era que eu trabalhasse toda arrumada de salto alto no marketing de uma grande corporação. O meu era não passar mais camisas e não enriquecer mais um homem branco de sessenta anos.

Foi assim que inventei, ainda pequena, a frase que guiou todas as decisões da minha carreira: quero trabalhar de chinelo.

Adolescente, não entendia o motivo de ter que passar apenas um mês de férias na praia, se era o mês mais feliz do meu ano. Inclusive, os outros onze meses só serviam para que eu pudesse voltar para a praia e me sentir feliz.

Será que era mesmo impossível viver ali? Inventei o seguinte mantra, ainda mais ousado que cogitar o litoral: quero viver de ilhas.

Definindo minha carreira, fiz um cursinho onde o sonho dos meus duzentos colegas de turma era serem médicos ou engenheiros na USP, sem sorte, dentistas na UNESP. Será que o que todo mundo considerava melhor, era mesmo o melhor para todo mundo?

Inventei a seguinte frase de efeito: quero decidir a universidade pelo lugar onde vou passar quatro anos da vida, sem sorte apenas quatro.

Terminando a universidade, há um mundo de infinitas possibilidades – pelo menos, aos meus olhos de maluca. Então pensei, essa se trata de mais uma daquelas desculpas, ou fechamentos de ciclo, no qual se alimenta um grande objetivo impossível e se tem o apoio de todos para a saga. Momento perfeito.

Então, inventei um sonho e me convenci, no lugar mais distante e exquisite para realizar: quero morar na Ásia.

Na Ásia, vim sem dinheiro, sem trabalho, como uma completa doida – não recomendo. E aqui tive apenas duas escolhas: ou eu faço acontecer ou pego o avião de volta com o rabo entre as pernas. Pois bem, me agarrei ao diga ao povo que não volto. Foi assim, que empreender foi um processo natural, uma das maneiras mais razoáveis que me permitiram ficar aqui. Eureka. Tudo fez sentido e o ciclo se fechou.

Para trabalhar de chinelo, morar em ilhas, decidir os lugares para passar a vida, estar agora na Ásia, o empreendedorismo serviu bem. Afinal, não era só sobre o chinelo em si, era sobre o que o chinelo proporcionava: sobre ter autonomia, flexibilidade, fazer o que se acredita, desenhar outros caminhos possíveis, ser leve, ter uma vida coesa.

Essa é a minha história, mas todo mundo deveria inventar – e esta é mesmo a palavra certa – os seus don’ts e os seus dos. Precisamos inventar nossos próprios filtros, seguindo nossa única e alienável maneira de ver o mundo. Caso contrário, alguém fará o filtro por você. Seus pais, seu chefe, seu professor, o pastor da igreja.

Invente a vida que você quer viver e terá respostas claras sobre como chegar até ela. Fique empurrando com a barriga essa decisão e viva a vida dos outros.

The reasonable man adapts himself to the world; the unreasonable one persists in trying to adapt the world to himself. Therefore all progress depends on the unreasonable man.George B. Shaw.

Instagram meu.

Bali, Indonésia. Casinha minha.

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Angela Mansim
Revista Passaporte

Designer de textículos. Livre & maluca, amém. Instgrm: @angelamansim.