Visite Oberammergau. Não prove o latte. — Oberammergau, Alemanha
O ônibus parou em um estacionamento qualquer no centro dessa cidadezinha cujo nome eu não conseguia pronunciar. O guia avisou que teríamos cinquenta minutos para conhecê-la antes de seguirmos viagem. Não havia tempo suficiente nem para aprender a falar o nome de Oberammergau. Para brasileiros, é difícil falar um idioma como o alemão, que soa tão delicado quanto uma granada. Minha garganta já estava arranhando por minhas tentativas de falar Oberammergau enquanto dava os primeiros passos pela cidade.
Voltando um pouquinho para esclarecer uma coisa: sim, eu estava em um ônibus de uma excursão turística. Não sou o maior fã de excursões por motivos absolutamente injustificáveis, já que lembro com carinho das poucas excursões que fui e, especialmente, dos guias que conheci. Mas, a verdade é que prefiro viajar só, ter meu tempo para ver tudo e poder parar para tomar uma cerveja ou só sentar e apreciar uma vista sempre que eu quiser.
Estava passando uns dias em Munique e um dos meus planos era visitar o Castelo Neuschwastein, há menos de duas horas de carro. Depois de pesquisar um bom tanto como chegar lá, acabei decidindo que o melhor jeito, e mais barato, seria uma excursão que ia e voltava no mesmo dia. Além de Neuschwanstein, eu iria conhecer o Castelo Linderhof e dar uma passada rápida na cidade de Oberammergau, tudo isso seguindo a Rota dos Alpes. Um dos grandes problemas de excursões é que para ter mais tempo em alguns lugares, outros são visitados rapidamente. Nesse caso, sobrou para Oberammergau, o destino menos conhecido da rota.
Bem, o guia já havia contado a história da cidade antes de estacionarmos e tínhamos cinquenta minutos para basicamente ter uma confirmação visual de tudo o que ele falou. Resumindo o que eu consegui entender enquanto dividia a minha atenção com as montanhas que cercavam a estrada, Oberammergau é uma cidadezinha de camponeses na região da Baviera, na beira dos Alpes, e é famosa por três coisas: pela encenação de A Paixão de Cristo, feita pelos cidadãos locais de dez em dez anos, pelos afrescos pintados nas fachadas de várias casas e pelo artesanato local em madeira. E isso tudo se torna ainda mais impressionante pelo fato de a cidade ter pouco mais de cinco mil habitantes.
Eu desci do ônibus repetindo baixinho o nome da cidade. Memorizei todos os arredores do local onde paramos para não me perder na volta. Afinal, Oberammergau era pequena o suficiente para eu não ter sinal no meu celular e não poder contar com o GPS. Segui em frente sem saber exatamente aonde eu estava indo e logo me deparei com uma casinha cercada por um pequeno rancho onde algumas vacas viviam. Uma pilha de lenha no canto já me fazia imaginar o interior dessa casa, com uma lareira, provavelmente todos os móveis de madeira, talvez uma horta escondida do outro lado onde a família plantava a sua própria comida, um porão cheio de conservas esperando a neve para serem abertas. E, coroando o bucolismo daquela cena, os Alpes surgiam por detrás. Não vou negar que busquei um banquinho para sentar e continuar olhando para aquela casinha imaginando histórias, mas o limite de tempo e o medo de aparecer um senhorzinho com um gadanho na mão gritando coisas em alemão para um estranho que estava há um bom tempo olhando para a sua casa me fizeram mudar de ideia e continuar o passeio.
Voltei para o centro da cidade e fui seguindo a rua principal. O clima bucólico agora me apresentava uma vila quase mágica. Várias casas de dois andares serviam como moradia em cima e loja embaixo (vendendo, em sua maioria, os artesanatos locais) e eram coloridas com belíssimos afrescos. Com um pouco de atenção, dava para perceber que as pinturas tinham temas religiosos, históricos ou literários (depois de reconhecer um afresco sobre João e Maria, lembrei que os seus autores, os Irmãos Grimm, eram alemães).
Bem, para quem não conhece afrescos (eu não conhecia esse nome até chegar na Europa), são basicamente pinturas feitas em paredes, muros, tetos, etc. Talvez, os mais conhecidos sejam os da Capela Sistina. Pode-se dizer que seja o avô do grafite. Então, digamos que Oberammergau seja uma espécie de Beco do Batman medieval.
Vi a hora e eu ainda tinha trinta minutos. A verdade é que o tempo era mais que suficiente para ver toda a cidade (ela é realmente bem pequena) e ainda entrar nas lojas com certa calma. Para ser sincero, essa é outra coisa que eu não gosto em excursões: o tempo para fazer compras. Eu odeio ir a lojas sempre que não seja para comprar comida e itens de sobrevivência básicos (como shampoo, pasta de dente e Paçoquita). Assim, ao invés de buscar presentinhos, dei uma outra volta na cidade, com mais calma, vendo os artesanatos pelas vitrines, e aproveitei para ir atrás de um sanduíche.
Eu amo sanduíches. Todos os lugares que eu visito, eu como sanduíches. Sou um defensor ferrenho de como a gastronomia de um povo pode ser definida pelos sanduíches que ele come. Dito isso, a Alemanha me surpreendeu por ser, talvez, o país com os melhores sanduíches que eu comi na vida. E, a verdade, é que eu fui pego de surpresa por pura inocência. Se o país é famoso pelos seus embutidos, qual a chance deles, combinados com pão, não serem algo maravilhoso? Recomendo especialmente qualquer sanduíche que envolva pretzel. O formato dele não ajuda, mas o sabor compensa o trabalho e a sujeira do recheio escapando junto com os pedaços de pretzel que caem no prato (lembre-se de comer pretzel com um prato embaixo).
Entrei em uma cafeteria que tinha uns belos sanduíches já prontos no balcão. Pedi um apontando para não passar vergonha tentando falar alemão. E, para beber, não havia refrigerante, cerveja ou suco. Apenas café. E água com gás (alemães amam água com gás, eu não). Como faziam mais de 30ºC fora, queria algo mais refrescante e arrisquei um latte gelado.
Eu odeio latte gelado. Mas não tenho argumentos para isso, acabo de descobrir. Ainda é um ódio irracional.
Faltavam pouco menos de dez minutos para irmos. Então, já fui comer perto do ônibus. Normalmente, daria uma mordida no sanduíche e uma golada no café. Mas, eu odiei tanto o latte que tomava uma boa golada dele (para acabar rápido) e dava uma mordida no sanduíche para tirar o gosto. No final, bastou um bom gole de água para ajudar tudo a descer.
O guia avisou que já íamos seguir caminho. Entrei no ônibus e finalmente consigui dizer o nome da cidade! Claro que sem aquela arranhada na garganta alemã, mas ao menos agora consigo falar o nome de uma cidade que eu amei conhecer. A partir desse dia, digo para qualquer um “visite Oberammergau. Não prove o latte”.
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