Sai o medo, entra a coragem: a hora de viajar sozinha

85 dias, três cidades europeias, 21 quilos de bagagem e um sonho que está virando verdade

Karina Sgarbi
Pastel de Nata
5 min readNov 23, 2016

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A ideia não era nova. Há tempos borbulhava na minha cabeça. Mas, sabe como é, tinha faculdade, emprego, carteira assinada, relacionamentos… Enfim, várias coisas que acabavam me prendendo e adiando que o plano virasse verdade. Por fim, meio que no impulso (como são todas as melhores coisas), fiz uns cálculos à moda miguelão e decidi que poderia cruzar o Atlântico e conhecer ao menos três países do Velho Mundo. E aqui estou, já no segundo dia de um total de 85 que vou passar longe de casa.

Viajar por um período maior do que as férias não é difícil. Bastam uns trocados, um pouco de organização e coragem. Esta última, aliás, é a principal. Eu, mesmo sendo um tanto maluquinha desde sempre, tive medo em vários momentos antes de sair do Brasil. Tinha dúvidas quanto a ir ou ficar e aceitar ofertas de trabalho, afinal jornalismo é o ofício da minha vida e ando cheia de pautas de reportagens que quero de escrever (e vou, só que daqui a um tempo, me esperem e me contratem). Também não estava certa de que o programa de trocar trabalho por hospedagem seria seguro ou de que eu conseguiria entrar aqui na Europa, afinal, nós latinoamericanos somos para eles tão forasteiros quanto eles próprios foram ao roubar nossas terras e nosso ouro lá no século XV. Mas isso é outra história.

Depois de muito pensar e pesquisar (viva a rede mundial de computadores), decidi vir. Foi meu primeiro rompante de coragem nessa aventura. Concluí que se não o fizesse agora, com meus 26 anos e nenhum emprego, depois é que não iria viajar mesmo. Então comecei a buscar as opções de países, ver os custos, comprar passagens (esse esquema todo eu vou detalhar em outro texto).

Enfim, organizei as coisas em menos de um mês. Foi só no dia 26 de outubro que tive a confirmação de que poderia trabalhar em um dos hostels para o qual havia me inscrito e onde cheguei ontem, dia 22 de novembro. Na sequência, outros dois me aprovaram também, que serão os destinos seguintes da viagem.

Bem, reunir a documentação, pesquisar preços de voos, descobrir como chegar em cada local, foram tarefas um tanto cansativas, mas que fazem parte do esquema.

O problema é que no meio disso comecei de novo a sentir medo.

“E se me barrarem na imigração?”, “E se eu não conseguir chegar em Madri a tempo de pegar o trem pra Córdoba?”, “Será que eu compro o bilhete do trem antecipado ou deixo pra ver na hora?”, “E se eu perder meu passaporte, meu celular?”, “Por que o céu é azul?”, “Qual o sentido da vida?”, eram algumas das perguntas que eu me fazia.

Decidi, por fim, não responder nenhuma delas. Em vez disso, questionei outras pessoas que tinham mais conhecimento e melhores condições de explicar tudo (obrigada, lindezas!). Me ajudaram e me acalmaram. Bem, algumas questões ficaram sem réplica, mas é assim a vida.

De novo, então, o medo deu lugar à coragem. E no meio disso, coisas incríveis começaram a acontecer. Ainda na segunda-feira, resolvi comprar antecipadamente o bilhete para o trem entre Madri e Córdoba, depois de pedir a opinião de quem podia me ajudar. Chegaria na capital espanhola às 17h50 de terça-feira e o trem partiria às 21h25, numa estação um tanto distante do aeroporto. Quando embarquei em Lisboa, chovia em Madri, algo que poderia complicar a vida de uma pequena pedestre como eu (não gostaria de me molhar) ou ainda atrasar o voo (e minha decorrente ida de trem a Córdoba, destino final do dia). O percurso foi tranquilo, chegamos 20 minutos antes do previsto e de quebra vi um arco-íris no caminho e o sol queimando no horizonte madrileño ao entardecer. Espetáculo.

Antes disso, na imigração no aeroporto de Lisboa (achei que entraria por Madri, que é mais complicado e cheio de exigências e que era o destino final do voo), o moço me perguntou apenas por que estava indo a Córdoba. Respondi que a cidade era bonita e histórica e ele me contou que morou um tempo na capital espanhola e não conheceu Córdoba, algo que queria muito. Disse a ele que era fácil de ir, que devia fazer o passeio, Ele concordou. Ficamos quase cinco minutos falando sobre a cidade, sobre a vida e ainda pedi dicas para pegar o trem na Espanha. Ele não solicitou um papel sequer dos mais de 20 que eu trouxe impressos, para o caso de tentarem me deportar. Foi muito tranquilo.

Depois, ainda nessa escala, fiz uma amiga vinda também de Porto Alegre e com destino à capital espanhola, onde está visitando outra amiga. Esta terceira foi quem me explicou e ajudou a usar o metrô de Madri (com suas 12 linhas que se cruzam e/ou se complementam). Resultado: com 5 euros fiz em menos de 30 minutos, com segurança e trocando três vezes de estação, um percurso que eu tinha planejado fazer de ônibus e que poderia demorar e custar mais. No trem para Córdoba, tudo foi bem também. Sem atrasos, sem perdas, roubos ou danos.

Não arrisco dizer que comecei essa jornada com sorte, porque acho que não se trata disso. As possibilidades de que as coisas não corressem bem logo no início eram bem reais, assim como eram as de tudo dar certo. Felizmente eu estava errada.

Com isso tudo, percebi que algo em que acredito muito segue me acompanhando: coisas boas acontecem para pessoas boas. Minha caminhada até aqui neste jogo chamado vida é recompensada assim, com experiências simples: gente linda no caminho, as estrelas perto dos meus olhos, o arco-íris em vez da chuva. Às vezes a gente não enxerga essas coisas, seja numa viagem ou na rotina tradicional. Reclamar é mais fácil do que ver além, né? Eu sei bem como é. Mas agora sei que há muito mais.

Eu continuo tendo alguns medinhos e achando muitas coisas. Ainda acho que o dinheiro não será suficiente. Oxalá isso esteja errado também. E que não me falte coragem, nem hoje, nem nunca.

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Karina Sgarbi
Pastel de Nata

“Não diz coisa com Coisa nem escreve nada Que preste” (Excerto de Um útero é do tamanho de um punho, de Angélica Freitas)