A mulher e a casa: a naturalização da responsabilidade feminina na organização do lar

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3 min readAug 11, 2020

Em uma observação de artigos de opinião veiculados em sites mato-grossenses durante a pandemia, é comum ver que é atribuída à mulher a responsabilidade da organização do lar. Isso contribui para a manutenção do estereótipo da “dona de casa” e, simbolicamente, limita as mulheres ao espaço doméstico.

No artigo “Sua casa é o seu reflexo!”, percebemos que a linguagem se dirige diretamente ao público feminino: amadas leitoras, sozinha e bagunceira são exemplos de palavras utilizadas. No decorrer do texto o conceito da casa como reflexo de si fica mais nítido, uma casa arrumada é reflexo de saúde emocional e mental! Porém, a consequência da naturalização da responsabilidade doméstica feminina é a atribuição às mulheres de uma ligação intrínseca com a entidade física e simbólica que é a casa. Na divisão sexual do trabalho cabe às mulheres o lugar privado, do cuidado da família.

Já no artigo “Desapegando com consciência”, o gênero linguístico feminino e a divisão sexual se mantêm. Nele é possível identificar a responsabilização da mãe como única a assumir a “missão” de disciplinar os filhos e manter a organização do lar.

Enquanto ambiente físico de convivência, uma casa acomoda, na maioria dos casos, mais de uma pessoa. A sua funcionalidade é a mesma para todos, porém, o gênero determinará a experiência que cada pessoa terá com ela. O ato de morar gerará diferentes sensações baseando-se apenas no gênero como critério de responsabilidades distribuídas desigualmente.

Fonte das Imagens: Ilustração superior esquerda — Paula Cruz; Ilustração inferior esquerda — Wikimedia Commons e Ilustração da direita — SOF Sempreviva Organização Feminista

O resultado de uma pesquisa do IBGE publicada em 2019 mostra que a taxa de realização de afazeres domésticos pelas mulheres é de 92,2%, enquanto a dos homens é de 78,2%. A pesquisa também indica que a participação masculina aumentou em relação aos anos anteriores, porém as mulheres ainda são majoritariamente responsáveis pela manutenção do lar, acarretando na sobrecarga e, em muitos casos, em jornadas duplas ou triplas de trabalho.

Mesmo quando estão inseridas no mercado de trabalho e consideradas bem sucedidas, as mulheres precisam suportar cobranças estereotipadas e socialmente naturalizadas como estar sempre com boa aparência, disponível para orientar/educar os filhos e, é claro, com a casa em ordem. Ainda que tenha uma carreira profissional, ao olhar dos mais conservadores, uma mulher só será bem sucedida se a sua casa estiver muito bem organizada. Porém, a mesma cobrança não é feita aos homens, inclusive aos que moram sozinhos.

Ter uma casa organizada permite que o ser humano consiga ter um bom desempenho profissional fora do espaço doméstico de forma que, quando um homem consegue destaque do mercado de trabalho, há uma série de condições que o levam até ali: isso passa inclusive por uma rede de cuidados na esfera privada que ainda são tidos como femininos, mas as mulheres não possuem esse apoio reciprocamente. Quem tem mais chance de se destacar em uma profissão: quem se divide entre o mercado de trabalho e os cuidados de várias pessoas ou quem tem uma série de necessidades (casa arrumada, comida feita, filhos educados) providenciadas por outras pessoas e não gastam tempo e energia com afazeres essenciais à sua sobrevivência?

Ao publicar esses textos opinativos, é evidente que a imprensa continua legitimando que cabe às mulheres a inteira responsabilidade pela organização do lar e também a culpa quando este não está em ordem. A fim de frear essa naturalização nociva às mulheres, vale questionar os discursos veiculados pelos sites de notícias, que continuam desrespeitando a luta diária das mulheres na ocupação de espaços fora do lar e de libertação de cobranças excessivas e desumanas.

Texto de:

Leticia Pereira, estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Rogério Júnior, estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Tamires Coêlho, professora de Jornalismo e do PPGCOM da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

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Observatório de Comunicação e Desigualdades de Gênero da Universidade Federal de Mato Grosso.