As vulnerabilidades sociais que têm rosto e voz, mas não são ouvidas nos sites de notícias em Cuiabá

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3 min readJul 13, 2020

As discussões de gênero não se restringem às relações entre homens e mulheres, mas abordam desigualdades que combinam elementos de classe social e etnia. Ampliando a lupa, saltam aos olhos as vulnerabilidades sociais que impactam as comunidades indígenas em Mato Grosso, sobretudo os Xavantes.

O conceito de vulnerabilidade social não está ligado apenas ao sofrimento, segundo Judith Butler. Mas também se refere ao conjunto de sentimentos que, para Ângela Marques, formam o senso comum que define quem é ou não digno de reconhecimento, visibilidade e escuta.

O jornalismo pode contribuir não só para a pluralização das vozes, mas também para abrir espaço de escuta de quem está em vulnerabilidade, a fim de não reafirmar discursos que tratam essas pessoas com sensacionalismo ou omissão. Nos enquadramentos midiáticos dos sites de notícias em Cuiabá não é tão comum que um fato aparentemente externo às instituições políticas, econômicas e fora dos centros populacionais vire notícia. Por isso, é importante pensar em quais situações as demais pessoas, fora dessas esferas, ganham algum espaço na mídia, inclusive na atual situação de pandemia do novo coronavírus.

O caso do primeiro bebê xavante a morrer de Covid-19 em Alto Boa Vista (a 634 km de Cuiabá), próximo ao Parque do Xingu, é emblemático. Nos sites noticiosos locais, houve uma cobertura por cobrança das autoridades competentes, mas com pouco espaço de escuta para os parentes xavantes.

Até às 14h40 do dia 20 de maio, autoridades como Funai e a prefeitura local sequer tinham se manifestado sobre o acontecimento. Isso pode apontar para o desconhecimento da situação por parte do poder público diante da pandemia ou para uma situação de negligência. O resultado foi um vácuo na imprensa, já que, até aquele momento, as autoridades não tinham respostas e apenas elas foram buscadas para a construção das notícias. Depois de 41 dias, o governo estadual deu uma resposta efetiva ao instituir o Grupo de Trabalho Central para monitorar a propagação do vírus nas aldeias.

Cabe ressaltar que a imagem reproduzida no caso do primeiro bebê xavante com Covid-19 mostrava pés rosados e brancos de um recém-nascido. Isso revela descomprometimento com o fotojornalismo, que contextualiza e se relaciona intimamente com as pessoas, o espaço e o tempo da notícia. Pés rosados e brancos representam um bebê xavante? Aliás, também demonstra a ausência de um banco de imagens minimamente diverso. Isso assusta ou deveria assustar, já que eles são mais de 42 mil parentes no estado, de acordo com o censo 2010 do IBGE. Ainda assim, não são devidamente retratados pela mídia local.

Os sites de notícias mato-grossenses têm reproduzido constantemente vícios de seleção de fontes, priorizando autoridades políticas e deixando de ouvir quem de fato vive e é diretamente afetado pelo acontecimento. Isso contribui para a intensificação de vulnerabilidades sociais e reforça a dificuldade dos brasileiros, de diversas etnias, sejam reconhecidos e ouvidos.

Texto de:

Giordano Tomaselli, estudante do 4º Semestre de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Rogério Júnior, estudante do 4º Semestre de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

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Observatório de Comunicação e Desigualdades de Gênero da Universidade Federal de Mato Grosso.