Caso Robinho: a masculinidade violenta naturalizada no futebol
Tratada desde o início somente pelo aspecto financeiro, a volta de Robinho ao Santos desconsiderou a condenação por violência sexual na Itália. O jogador, com uma longa carreira e alguns títulos conquistados, foi acusado e condenado pelo estupro coletivo de uma jovem albanesa em uma boate de Milão. O caso ainda corre na justiça da Itália e será julgado em segunda instância. De todo modo, esse fato específico pareceu não incomodar o Santos Futebol Clube em meio ao processo de recontratação do ex-ídolo.
O baixo custo financeiro e a possibilidade de impulsionar o marketing do clube, com uma alusão a uma jogada de Robinho chamada de “pedalada”, relegaram a condenação do jogador por esse crime bárbaro a uma nota de rodapé, até mesmo nas primeiras matérias jornalísticas esportivas sobre a volta, que não fizeram questão de relembrar o caso que já era de conhecimento público. O recuo só acontece no momento em que os patrocinadores, irritados com a repercussão e temendo pela imagem de suas marcas, ameaçam o clube com a rescisão de contratos publicitários.
Do mesmo modo que o clube, os veículos de mídia esportiva apenas agiram ao serem provocados por manifestações em redes sociais, levantadas principalmente pelos coletivos feministas. O jornalista Mauro César Pereira, ao tratar da amnésia coletiva jornalística, aponta o vazio de matérias entre 2017, data da condenação, e 2020, quando Robinho volta ao Santos. Há uma complacência dos veículos silenciando a respeito do tema, apenas rompida pela força de grupos que, ao se mobilizarem, acabam por pressionar os veículos para tratar em profundidade do tema. O “esquecimento” não é privilégio da mídia nacional, considerando que, na Europa, onde Robinho jogou por muitos anos, houve pouca repercussão, como acontece com outros jogadores.
Esse caso se mostra enquanto um exemplo bastante palpável de como as questões relacionadas à violência contra as mulheres, principalmente a violência sexual, são relegadas ao esquecimento por parte da sociedade. Quando aparecem nas coberturas, continuam repercutindo antigas ideias relativas às questões de gênero, relacionando o respeito que deveria ser inerente a qualquer ser humano a um suposto comportamento moral/sexual que as mulheres deveriam seguir para não serem agredidas, estupradas, e muitas vezes assassinadas.
Podemos também refletir acerca da idealização e da manutenção de uma masculinidade hegemônica e agressiva que aparece na figura do jogador de futebol em nosso país. Áudios mostram o jogador confessando a agressão sexual, em conversas com outros amigos. Esse comportamento não é uma exceção em relação ao comportamento apresentado por homens em geral, como a pesquisadora Valeska Zanello apresenta em seu trabalho. Nos grupos de Whatsapp de homens, as trocas de mensagem reforçam comportamentos sexistas e violentos, o que acaba por legitimar a violência contra as mulheres.
Robinho fez alegações na mídia de que os atos teriam sido consentidos e que a mídia e o “movimento feminista” o estariam perseguindo, não admitindo seu crime como um erro em nenhum momento. Questionamo-nos se é possível que pessoas desacordadas possam consentir qualquer tipo de ato. De acordo com o julgamento em primeira instância, o jogador demonstrou “desprezo absoluto” pela jovem “exposta a humilhações repetidas, bem como a atos de violência sexual pesados”, mostrando que aqueles atos nos grupos de Whatsapp podem se transformar em violências reais. Além disso, se não fossem pelas mobilizações feministas o caso ainda continuaria “esquecido”.
É importante que a sociedade comece a questionar quais são as masculinidades exaltadas com fama e fortuna, e que tipo de valores elas trazem. Sabemos da influência dos jogadores de futebol no imaginário brasileiro e em quanto eles são objetos de desejo e de inspiração, principalmente para os meninos e adolescentes (uma maioria em situação de vulnerabilidade). Não é mais concebível que essa masculinidade que machuca, violenta, extermina e mata seja concebida enquanto modelo. Essa é uma conversa que precisa chegar às rodas de amigos e ser feita pelos homens.
Texto de:
Carlos Rocha, professor do Departamento de Comunicação Social da UFMT, Mestre em Comunicação pela UFPI e jornalista.
Nealla Machado, professora no Departamento de Comunicação Social da UFMT, Doutoranda em Estudos de Cultura Contemporânea (PPGECCO), Jornalista.