Empregadas domésticas: exploração trabalhista e desumanização na pandemia
O Brasil é um dos países que ocupam o topo do ranking de trabalhadoras domésticas. Neste cenário, 92% da categoria de trabalhadores é formada por mulheres e destas, 68% são negras, dados que mostram que mulheres pretas são a base da pirâmide social responsável pela conservação da nossa estrutura econômica. Apesar de sua importância para o cenário econômico brasileiro, a prestação de serviço de cuidado é desvalorizada e considerada como trabalho não produtivo.
Este contexto nos mostra a extensão de um problema que abarca classe, gênero e raça, já que, historicamente, essas relações fortalecem a exploração da força de trabalho de alguns grupos sociais em detrimento de outros. Por outro lado, pela falta de oportunidades, o trabalho doméstico é o que possibilita a muitas mulheres o acesso a uma fonte de renda em um trabalho externo ao próprio lar.
Com a acentuação de vulnerabilidades socioeconômicas, a categoria profissional das domésticas é a mais afetada desde o início da pandemia de Covid-19. Além da discriminação, elas fazem parte do grupo de trabalhadores com alto risco de contaminação. Por determinação dos patrões ou por não terem outra opção, já que não possuem assistência que assegure a possibilidade de isolamento social, elas se expõem, para além do novo coronavírus, à situações de exploração.
Denúncias e casos de abusos, bem como relatos de patrões contaminados que obrigam suas funcionárias a trabalharem estão com frequência nos jornais. A primeira pessoa a morrer por Covid-19 no estado do Rio de Janeiro, por exemplo, foi uma empregada doméstica que se contaminou pela patroa recém chegada da Itália, e que não foi dispensada mesmo com o diagnóstico positivo. Mesmo com o risco e vulnerabilidade, o grupo não foi considerado prioritário na fila de vacinação, apesar de muitos estados classificarem seus serviços como essenciais.
Por décadas, a mão de obra de mulheres pretas tem sido usada por famílias de classe alta e média brasileira. Após trabalhos diários exaustivos, e pernoitadas no “quartinho da empregada”, essas trabalhadoras estão tão intrínsecas na rotina das famílias, que, até mesmo as crianças criam laços afetivos com elas e, diante isso, intensifica-se o discurso de pertencimento como “praticamente da família”, desde que continuem na posição de servir e não tenham direitos trabalhistas respeitados.
Quem não se lembra do recente caso do menino Miguel, já analisado aqui, quando um menino de cinco anos precisou acompanhar a mãe, uma trabalhadora doméstica, até a casa onde ela estava trabalhando durante a pandemia? A criança morreu ao cair do 9° andar, após ser deixado aos (des)cuidados da patroa enquanto a mãe teve de sair para passear com o cachorro. Outro caso mais recente, é o protagonizado por Daniel Cady, marido da cantora Ivete Sangalo, que afirmou ter contraído Covid por meio da cozinheira. Esses são exemplos de como os laços familiares só existem quando se necessita da prestação de serviço de suas funcionárias.
Empregadas domésticas não são parte da família de seus patrões, elas possuem sua própria família, são trabalhadoras assalariadas que merecem respeito e que seus direitos trabalhistas e humanos sejam assegurados.
Texto de:
Andrelina Braz, estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
Giordano Tomaselli, estudante de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)