Fake news sobre Marielle Franco e as estratégias de legitimar o injustificável
Marielle Franco foi assassinada no dia 14 de março de 2018, em decorrência de sua luta para que as minorias desassistidas tivessem uma vida digna, sem os obstáculos advindos dos preconceitos que as atingem. Tornou-se símbolo de força, admiração, mas também de injustiça, ao ter as suas contribuições invisibilizadas pelas fake news que passaram a circular logo após a sua morte. Apesar de já ter sido constatada a falsidade destas notícias, até hoje seus reflexos são percebidos na vida dos familiares de Marielle Franco.
O sucesso das fake news decorre de seu apelo às emoções, atrelando-se ao imaginário social e tendo como sustento determinados elementos verídicos. Levando-se em consideração as dinâmicas das mídias digitais, o compartilhamento de informações questionáveis torna-se algo desenfreado, como apontam análises levantadas por Yimin Chen. Portanto, o processo de destruição deste fenômeno é difícil, pois, ainda não há uma maneira assertiva de cessar sua disseminação. Por este motivo, o estigma criado por elas a partir da imagem de Marielle Franco ainda persiste na sociedade.
As fakes news relacionadas à vereadora estão alicerçadas em estigmas machistas, racistas e lesbofóbicos. Isso é verificado na análise das cinco principais fake news que circularam, ao relacionarem Marielle Franco ao traficante Marcinho VP, ao Comando Vermelho, à “defesa de bandidos”, ao uso de entorpecentes e a uma gravidez precoce aos 16 anos.
Quanto ao primeiro boato, nota-se a culpabilização da mulher, a criminalização por uma suposta relação com um “bandido”. Este tipo de correlação pode levar à condenação, como se verifica na análise de casos de mulheres reclusas, em sua maioria pretas e pardas, evidenciando o racismo e a misoginia. Além disso, a fake news ignora o fato de que a vereadora era companheira de Mônica Benício há 12 anos, o que sugere a ilegitimidade de relações homoafetivas, principalmente de mulheres lésbicas.
Dados do INFOPEN de 2017 mostram que 63,55% de mulheres presas são pretas e pardas, de camadas sociais mais pobres, um resultado da chamada “Guerra às Drogas”. Isso aponta ainda para a relação problemática entre o racismo estrutural e o combate ao tráfico de entorpecentes.
Por ter sido uma mulher preta nascida no Complexo da Maré, favela do Rio de Janeiro, percebe-se a tentativa de relacionar seu trabalho com o tráfico de drogas pelas notícias falsas. Tanto a notícia de que ela era “usuária de maconha” quanto a de ter sido eleita pelo Comando Vermelho, uma facção criminosa, estão entre as fake news mais compartilhadas sobre a vereadora.
Por fim, temos a abordagem de uma suposta gravidez de Marielle Franco aos 16 anos. A grande circulação dessa notícia evidencia o demérito da gravidez na adolescência perante a sociedade, responsabilizando apenas a jovem mãe em detrimento de seu parceiro, a ponto de invalidar a carreira política de uma mulher. Um aspecto importante sobre essa fake news é trazido pelo Instituto Marielle Franco: “E mesmo que Marielle tivesse engravidado aos 16 anos, deveria ser respeitada e acolhida”.
As narrativas das fake news direcionadas à vereadora evidenciam os preconceitos arraigados em nossa sociedade em relação às mulheres negras e periféricas. Além de tentar apagar sua história e sua verdadeira identidade, é perceptível um movimento estratégico de compartilhamento de mentiras que visam a desumanização, a falta de empatia e a justificativa de que ela seria um “corpo matável”.
Texto de:
Eduarda de Oliveira, estudante do 3º semestres de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Maryelle de Campos, estudante do 2º Semestre de Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).